23 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

3.000 cargas de madeira saíram do Pará para o exterior sem autorização do Ibama

Presidente do órgão teria desprezado nota técnica, riscando trechos e ‘balançando negativamente a cabeça’, afirmou uma delas

Técnicos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) afirmaram à Polícia Federal que cerca de 3.000 cargas de madeira da Amazônia no Pará foram exportadas a diversos países sem autorização do órgão, a exemplo de carregamentos de três madeireiras retidos nos EUA, cujas irregularidades embasaram a Operação Akuanduba da PF (Polícia Federal).

Os responsáveis pela informação são dois técnicos do Ibama que atuavam diretamente na área de fiscalização dessas exportações. Um terceiro corroborou a informação, sem precisar a quantidade. Ele falou em “milhares”.

Os técnicos foram ouvidos como testemunhas e seus depoimentos foram transcritos nos relatórios da investigação policial.

A Operação Akuanduba foi deflagrada na última quarta-feira (19), a partir de autorizações do STF (Supremo Tribunal Federal) para o cumprimento de buscas e apreensões nos endereços de 23 alvos, além de quebras de sigilo bancário e fiscal.

Entre os alvos estão o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, afastado do cargo por 90 dias, a exemplo de outros oito servidores da área ambiental do governo de Jair Bolsonaro.

O cálculo sobre exportação ilegal de 3.000 cargas de madeira do Pará foi feito a partir de análises do setor de inteligência do Ibama, segundo um dos depoimentos à PF.

Diante dessa constatação, os técnicos elaboraram um documento em que registraram a contrariedade com a flexibilidade da fiscalização.

A nota técnica acabou sendo ignorada pelo presidente do Ibama. Um despacho de Bim, assinado em 25 de fevereiro de 2020 (uma terça-feira de Carnaval), dispensou a necessidade de autorização de exportação de madeira.

O Ibama passou a aceitar apenas o DOF (Documento de Origem Florestal), necessário para o transporte da madeira dentro do país.

A flexibilização durou até a deflagração da Operação Akuanduba. O STF determinou a suspensão dos efeitos do despacho assinado pelo presidente do Ibama.

Salles teve participação na flexibilização, segundo a investigação da PF. Ele e Bim atuam alinhados desde o início do governo Bolsonaro.

A exportação de 3.000 cargas do Pará sem autorização do Ibama teria ocorrido antes do despacho do presidente do órgão. Os técnicos entendiam que os responsáveis por essas cargas deveriam ser autuados, diante da falta de autorização.

A PF aponta operações financeiras suspeitas de Salles a partir do escritório de advocacia que ele tem em sociedade com a mãe, durante o período em que exerce o cargo de ministro no governo Bolsonaro e em meio a suposta prática de crimes na exportação de madeira ilegal.

Sobre as movimentações financeiras de Salles, o ministério afirmou, em nota, que “não há como se defender de algo que não se conhece”. Advogado de Salles, Fernando Augusto Fernandes disse que há uma mistura de fatos anteriores com fatos que não são criminosos. “Há um claro propósito político para induzir o STF em erro.”

Segundo o advogado, as movimentações financeiras do escritório que o ministro integra já foram objeto de investigação anterior, com esclarecimentos ao Ministério Público.