29 de setembro de 2024Informação, independência e credibilidade
Blog da Graça Carvalho

A dor deles, a nossa dor, eis aí tudo e novo!

Não é difícil achar culpados, mas, antes de tudo, é preciso achar vidas, curar feridas e dores da alma

Equipes de resgate trabalham no esforço contínuo.

( Por Armando Durval)

Da aflição das fugas, aos gritos de socorro. Do deserto de lama à angustia da espera. A história mostrará se mais esse rompimento de barragem ficará impune, relegado ao pagamento de indenizações e às humilhações pelas peregrinações em secretarias governamentais.
Sétimo dia de buscas, o número de mortos entrando na casa dos 100, mais de 250 pessoas desaparecidas, animais em agonia, casas, plantações destruídas. A natureza chora, as famílias choram, a cidade chora, o Brasil chora mais uma tragédia. Um saldo demasiado duro para os parentes e amigos dos trabalhadores e habitantes arrastados e soterrados no vale de lama em que se tornou Brumadinho.
Relatos heróicos como dos dois funcionários da Vale que ao avistar uma mulher sendo arrastada pela lama e sem nada que pudessem fazer naquele momento, seguiram-na, torceram e rezaram para que ela resistisse e que a correnteza a levasse para uma área rasa. Com uma corda conseguiram resgatá-la – ferida, sofrida, mas ainda com vida.
Palco de alegrias e de frequentadores famosos, a Pousada Nova Estância estava na rota da lama, pertinho da área administrativa da Vale. Tudo arrasado dentro de poucos minutos pela força a rudez da lama, deixando a Jose Antônio, de 46 anos, funcionário e morador da Pousada, a incerteza sobre a morte da filha de 14 anos, ainda desaparecida. Alento? Os vizinhos conseguiram salvar sua mulher e a cunhada (esta com a bacia e o fêmur quebrados). Na hora do desastre, as três mulheres almoçavam em casa. Nenhuma indenização apagará a lembrança desse último almoço com a família reunida.
No relato de uma sobrevivente, a comparação com um liquidificador ao tentar definir a sensação de ser tragada pela lama, misturada a pedras, paus, gente, animais e tudo o que descia da encosta, quebrando, esmagando, triturando o que tinha pela frente. O desespero de quem, aos 70 anos de idade, correu mata acima com a força de um menino de 17, movido pela energia do instinto de sobrevivência, e resfolegou destroçado pela visão impávida da lama engolindo a casa, o carro, o pomar, a horta e 50 galinhas; ouvindo o pedido de socorro dos cachorros, que o levaram às lágrimas.
Brumadinho e Mariana, cidades em que todos se conhecem; se cruzam diariamente, como se fossem da mesma família; e como a maioria das pequenas cidades, jogadas ao acaso em nosso país. Fácil dizer que é um “desastre da natureza”. Mas na verdade as tragédias ocorridas nessas duas cidades são resultado do “desastre que fizeram com a natureza”.
Não é difícil achar culpados, mas, antes de tudo, é preciso achar vidas, curar feridas e dores da alma. Investigar é preciso, punir é preciso, mas isso não traz vidas de volta, não apaga as lembranças, nem paga as perdas sofridas. É necessário prevenir; achar soluções para evitar outras Marianas, outros Brumadinhos; saber por que depois de Mariana a Vale ainda continuava operando com barragens inseguras; rever os critérios usados para a classificação de risco das barragens e outras atividades.
Já passou da hora da trabalharmos com os “rigores da Lei”. De termos respostas e atitudes firmes, duras até, para daqui a dois três anos não sangrarmos novamente na lama de mais um “desastre da natureza”.