24 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

Apesar de indiciamentos, Bolsonaro preso ou ficha-suja por causa da CPI é improvável

Além de Aras e Lira serem engavetadores do presidente, há forte dependência de interpretação controvertida de crimes

No relatório final da CPI da Covid, a ser votado nesta terça-feira (26), nove crimes foram atribuídos ao presidente da República. Mas como Jair Bolsonaro já bem alertou, em seu discurso inflamado em 7 de Setembro deste ano, ele não vai ser preso.

Dos crimes pelos quais ele está indiciado, sete são comuns, previstos no Código Penal e com pena de prisão. O parecer aponta ainda que Bolsonaro teria cometido crime de responsabilidade, da Lei de Impeachment, e crime contra a humanidade, do Estatuto de Roma.

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Mas para que Bolsonaro seja preso pelos crimes apontados no documento, ainda que sofra condenações, ou até de que se torne inelegível em um futuro próximo por causa delas, há ainda muita dependência na interpretação controvertida de crimes.

E Bolsonaro ainda tem o procurador-geral da República, Augusto Aras, ao seu lado.

Portanto, mesmo com ele sendo contrário às medidas de proteção, em especial a política de isolamento da população e uso de máscara, falando em histeria e fantasia, distribuindo remédios ineficazes contra a doença, incentivando aglomerações, atuando contra vacinas e até hoje espalhando informações falsas sobre a Covid, o direito penal não o alcançará por tais condutas.

Foto: Leopoldo Silva

Após a CPI

A CPI do Senado não pode denunciar, julgar ou punir ninguém. O relatório traz apenas as conclusões das investigações e sugestões, cabendo às autoridades competentes dar seguimento aos casos.

Falando em plano dos crimes comuns, o primeiro obstáculo para uma possível responsabilização do presidente é o procurador-geral da República, posto atualmente ocupado por Augusto Aras, que tem preservado Bolsonaro e é a única autoridade que pode denunciá-lo.

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E mesmo que Aras apresente uma denúncia contra o mandatário e que ela seja aceita pela Câmara dos Deputados, o que abriria caminho para que Bolsonaro fosse julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), há outros fatores que tornam uma prisão improvável.

Dos crimes apontados pela CPI e que seriam julgados pelo Judiciário brasileiro, o único que, sozinho, poderia ter como consequência o cumprimento da pena em regime fechado —quando a pena é superior a oito anos— é o crime de epidemia com resultado de morte. Mas até isso carece de forte interpretação jurídica.

No caso de Aras decidir arquivar as representações relacionadas à CPI, uma denúncia à primeira instância, depois de Bolsonaro deixar o cargo, dependeria do surgimento de novos elementos.

Um segundo efeito que eventuais condenações criminais em segunda instância podem ter para Bolsonaro seria torná-lo inelegível, com base na Lei da Ficha Limpa. No entanto, entre os crimes comuns apontados pela CPI, apenas os crimes de epidemia e o crime de falsificação de documentos entrariam neste rol.

Outro caminho que poderia resultar em inelegibilidade seria o andamento de denúncia por crime de responsabilidade na Câmara dos Deputados, abrindo um processo de impeachment contra Bolsonaro. Neste caso, entretanto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é a maior pedra no caminho daqueles que desejam ver Bolsonaro fora do cargo.

Tribunal Internacional

Para além dos crimes comuns e do crime de responsabilidade, o relatório da CPI atribui também a Bolsonaro a prática de crime contra a humanidade. Previsto no Estatuto de Roma, que foi reconhecido pela legislação brasileira, tal crime é julgado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia.

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Entre especialistas, há divergências não só quanto às chances de Bolsonaro vir a ser condenado por crime contra a humanidade, mas também quanto a se o TPI abriria uma investigação contra o presidente.

Para tanto, a corte internacional avalia se o suposto crime é de fato de sua competência, se há omissão das autoridades nacionais em investigá-lo e se ele tem gravidade suficiente.

Mesmo que o TPI decida abrir uma investigação, o processo seria longo e uma eventual condenação poderia levar anos. Apenas essa fase preliminar de análise dura pelo menos um ano.

Crimes

Independente disso tudo, veja abaixo a pena de cada um dos crimes e quais são enquadrados como ficha-suja:

PRISÃO

Prisão em regime fechado ocorreria apenas no caso de haver condenação, por um ou mais crimes, de modo que a pena total seja superior a oito anos. Entre os crimes comuns listados contra Bolsonaro, maioria tem pena máxima de até um ano

Os únicos ilícitos listados pela CPI e que, sozinhos, poderiam resultar na prisão de Bolsonaro seriam o crime de epidemia, na modalidade dolosa, e o crime contra a humanidade. A possibilidade de que ele seja condenado por esses crimes, contudo, é mais controversa

Código Penal

  • Crime de epidemia com resultado de morte: reclusão, de 20 a 30 anos
  • Falsificação de documento particular: reclusão, de um a cinco anos, e multa
  • Infração de medida sanitária preventiva: detenção, de um mês a um ano, e multa
  • Charlatanismo: detenção, de três meses a um ano, e multa
  • Prevaricação: detenção, de três meses a um ano, e multa
  • Emprego irregular de verbas públicas: detenção, de um a três meses, ou multa
  • Incitação ao crime: detenção, de três a seis meses, ou multa

Estatuto de Roma

  • Crime contra a humanidade: prisão por um número determinado de anos, até ao limite máximo de 30 anos

FICHA SUJA

A Lei da Ficha Limpa traz um rol de crimes cuja condenação em segunda instância ou por órgão colegiado fazem do candidato ficha-suja.

  • Crimes comuns: entre os sete crimes do Código Penal apontados pela CPI contra Bolsonaro apenas dois poderiam ter como efeito o enquadramento na Lei da Ficha Limpa, o crime de epidemia e o crime de falsificação de documentos particulares. Aos demais a regra não se aplica por terem pena inferior a dois anos
  • Crime contra a humanidade: apesar de os crimes contra a humanidade não estarem previstos na Lei da Ficha Limpa, em tese, eles podem ter também a inelegibilidade como efeito, ao serem entendidos, por exemplo, como crime contra a vida
  • Crime de responsabilidade: junto do impeachment pode ser aplicada uma pena acessória de inabilitação para o exercício de cargos públicos, equivalente à inelegibilidade.