24 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Chega a vez de Pazuello na CPI, que na Saúde “obedecia” mandos e desmandos de Bolsonaro

Ex-ministro efetivou tratamento precoce, criticou ‘ansiedade’ por vacinas, “previu” diversas vezes o fim da pandemia e ignorou falta de oxigênio em Manaus

Nesta quarta-feira (19), a CPI da Pandemia no Senado finalmente recebe para depoimento o ministro da Saúde mais longevo de Bolsonaro nesta pandemia: o general Eduardo Pazuello.

Pazuello estava marcado para depor logo no segundo dia, após os ex-ministros Mandetta e Teich, mas apelou para o atestado e disse que estava com suspeita de covid-19 – dias depois após ser flagrado sem máscara em shopping de Manaus.

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Pior para ele, que ao tardar sua participação, municiado com um habeas corpus garantido no STF, viu outros depoentes praticamente arruinarem qualquer estratégia que ele tivesse para se defender.

Até mesmo governistas, como Wajngarten, semana passada, e Ernesto Araújo, ontem, apontaram para ele a responsabilidade de omissões, desmandos e incompetências da gestão de sua pasta. Ou seja: o objetivo era jogar a culpa toda em Pazuello, que está sendo fritado em praça pública, e não no presidente Jair Bolsonaro.

Ainda assim, o ex-ministro Eduardo Pazuello, através de seu advogado, Zozer Hardman, que apesar da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, conceder habeas corpus que garante seu direito de ficar em silêncio nos casos de perguntas sobre si mesmo, ele tem intenção de responder a todas as questões dos senadores na CPI.

Resta saber se ele realmente vai responder todas as perguntas, e com a verdade, ao contrário de outros governistas. O senador Renan Calheiros, relator da CPI, por exemplo, irá municiado, visto que pediu até para internautas sugestões de perguntas a serem feitas.

“A decisão do ministro Lewandowski não atrapalha a investigação. Ela garante ao depoente que não se autoincrimine. E não é isso que queremos com Pazuello. Interrogatório bom não busca confissões. Quer acusações sobre terceiros. Com relação a ele, outros falarão”. Renan Calheiros, relator da CPI.

Ele ao menos terá a chance de dizer que não é um fracassado, como já tentou dizer antes, em coletiva no dia 6 de janeiro, mesmo dia em que o Brasil atingia 200 mil mortes confirmadas provocadas pela covid-19.

“Me mostrem quando foi que um brasileiro ou a população brasileira delegou aos redatores ou a qualquer um dos senhores a interpretação dos fatos. Nós não queremos a interpretação dos fatos dos senhores. Eu quero ver na televisão a notícia do fato que aconteceu. Deixem a interpretação para o povo brasileiro. Deixem a interpretação para cada um de nós. Os senhores não tem essa delegação”. General Pazuello, ministro da Saúde.

O fracassado Pazzuelo se mostrou incomodado com o fato de jornalistas usarem de interpretação em seus textos. E em um movimento atrasado, praticamente ditatorial, disse que não quer ver na televisão nada além dos fatos.

Segundo ele, quem tem poder de interpretar é o povo brasileiro. Ou seja: o general, que se mostrou incapaz de realizar ações profícuas durante sua gestão, seja por sabotagem do presidente Bolsonaro ou por puro fracasso profissional, tirou da categoria “povo brasileiro” os profissionais da imprensa. E não acredita em liberdade de imprensa.

Como não interpretar isso de outra forma, senhor Pazuello, que até o início de outubro admitiu que nem mesmo conhecia o SUS? Ao menos condiz com quem disse, em junho do ano passado, que a pandemia já havia acabado no Norte e Nordeste do Brasil. Segundo ele, as duas regiões estão mais ligadas ao inverno do hemisfério norte.

Um manda, o outro obedece

Algo que deve complicar, e muito, a vida de Pazuello foi um vídeo com Bolsonaro, em outubro do ano passado. O ex-ministro se recuperava da Covid-19 (“apesar da cloroquina”, ele precisou ser internado), mas isso não impediu o presidente de visitá-lo.

O general estava em casa, dormindo, se recuperando da covid-19, quando foi pego por Bolsonaro e sua equipe, para a transmissão. Tudo para mostrar um tom de normalidade, apesar do claro recado de que manda quem pode, obedece quem tem juízo e toda uma crise criada, como sempre, pelo próprio presidente.

Depois de Pazuello comentar que estava tomando o coquetel bolsonarista contra a Covid –hidroxicloroquina, azitromicina e o vermífugo nitazoxanida, nenhum deles com eficácia comprovada contra a doença– e que e se sentia bem, Bolsonaro perguntou se ele voltaria ao trabalho na semana que vem.

“Falaram até que a gente estava brigado. No meio militar, é comum acontecer isso aqui, não teve problema nenhum”, disse Bolsonaro, ao que Pazuello respondeu: “É simples assim, um manda e outro obedece. Mas a gente tem carinho, dá para desenrolar.”

“Opa, está pintando um clima aqui”. Jair Bolsonaro, presidente.

100 mil mortos, vida que segue

Em uma live semanal das quinta-feiras, em agosto do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro lamentou os quase 100 mil mortos por conta do coronavírus no Brasil. Ainda que de certa forma.

Ao lado do general Eduardo Pazuello, então ministro interino da Saúde, que naquela dada comparou o novo coronavírus com o HIV, afirmando que a covid-19 vai continuar existindo, Bolsonaro afirmou que a população deve “tocar a vida”.

“Vamos tocar a vida e encontrar uma maneira de se safar”. Jair Bolsonaro, presidente.

E ao lado de seu então ministro, o presidente voltou a fazer propaganda da hidroxicloroquina como forma de tratamento da Covid-19. Não existe comprovação científica sobre o uso do medicamento no caso do novo coronavírus:

“Quem não quer tomar cloroquina, não tente proibir, impedir quem queira tomar, afinal de contas, ainda não temos uma vacina e não temos um remédio comprovado cientificamente. A negação de um medicamento a quem está doente não pode ser de um prefeito ou governador. Quem decide é o médico”. Jair Bolsonaro, presidente.

Tratamento precoce

O Jornal Nacional de 18 de janeiro não pegou leve com o ex-ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello. O telejornal da Globo, em matéria de 4 minutos e meio, evidenciou algumas das mais claras mentiras ditas pelo ex-ministro sobre suas ações na frente da pasta.

O destaque ficou para a coletiva de imprensa em que Pazuello disse que nunca defendeu o chamado tratamento precoce contra a Covid-19, agora que a Anvisa afirmou que não existe tratamento precoce e nem medicamento contra a doença do coronavírus.

Pazuello, no entanto, disse que não defende a prática mas, sim, o “atendimento precoce”, e que nunca autorizou o Ministério da Saúde a fazer protocolo indicando medicamentos como a cloroquina.

A pasta encaminhou aos profissionais de saúde de Manaus (AM) como orientação, medicamentos para o tratamento precoce da Covid-19, entre eles a cloroquina.

O vídeo encerra informando que Augusto Aras, procurador-Geral da República, pediu um inquérito do Ministério da Saúde sobre estes tratamentos precoces.

Vacina pra que?

Durante a apresentação do plano nacional de vacinação no meio de dezembro de 2020, o então ministro da Saúde questionou o que chama de “angústia” e “ansiedade” para que o Executivo deixe de lado as disputas políticas e apresente resoluções quanto ao processo de imunização.

Enquanto países como Estados Unidos e Reino Unido já estavam em fase de vacinação, o governo brasileiro avaliava questões como a marca da vacina a ser investida e se ela será ou não obrigatória para a população. Claro, hoje se sabe que milhões de doses da Pfizer haviam sido recusadas.

À época, o hoje ex-ministro adotou tom ufanista e buscou repetidamente passar uma mensagem de confiança na qualidade do sistema público de saúde. Na visão dele, existiria “desinformação” a respeito da “capacidade do Brasil para conduzir essa missão”.

“Somos os maiores fabricantes de vacinas da América Latina. Somos referência e estamos trabalhando. Temos 300 milhões de doses negociadas, algumas com recursos para isso. Temos provisão de MPa ser assinada de R$ 20 bilhões. Temos capacidade de transcender e superar desafios. Não vejo, e coloco aqui um pouco da minha história, não vejo nada errado. Se tivesse visto teria corrigido. Estamos no caminho certo e juntos, não podemos abrir mão de tratar como país”. Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde.

Logística de nada

Pazuello era quem estava no comando da pasta quando a Pfizer fez uma oferta de 70 milhões de doses ao Brasil. Segundo a empresa, o governo ignorou três propostas negociação em agosto de 2020.

O general do Exército, que foi anunciado para o cargo pelo presidente Jair Bolsonaro como um especialista em logística, foi responsável pelo caos logístico em todo o país, com atraso de entrega de insumos ou mesmo endereçamento errado.

Então a repórter Vanessa Lippelt, do Jornal de Brasília, descobriu, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI-e-SIC nº 3919468), que o currículo de Pazuello é uma grande mentira: formado na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), como Oficial Intendente, em 1984, ele nunca foi especialista em logística.

Foi colocado em serviço na academia, na condição de intendente, para distribuir material internamente como uniformes, equipamentos individuais, além de materiais de lavanderia e banho. Ou seja, era um entregador de materiais. Cuidava do almoxarifado.

Falta de oxigênio

Pelo menos 11 indícios, que podem ser usados como prova, reforçam que a cúpula do Ministério da Saúde tinha conhecimento prévio sobre a grave escassez de oxigênio nos hospitais em Manaus e foi omissa diante do tamanho do problema. O ex-ministro Eduardo Pazuello é suspeito de crimes e investigado em inquérito aberto no STF (Supremo Tribunal Federal).

Os indícios estão em um relatório assinado pelo próprio ex-ministro, em um documento da secretaria-executiva da pasta, em um plano de contingências montado para lidar com a crise no Amazonas, em relatórios de grupos independentes enviados ao estado e em emails e documentos da White Martins, empresa contratada pelo governo local para abastecer as unidades de saúde.

Os 11 indícios

  1. Email da White Martins, em 11 de janeiro, pedindo a coronéis do Ministério da Saúde “apoio logístico imediato” para transporte de oxigênio;
  2. Email da White Martins, em 7 de janeiro, apontando a escalada da escassez de oxigênio. Ex-ministro disse que email chegou no dia 8. Depois, gabinete mudou a versão. Mensagem só teria chegado três dias após o colapso;
  3. Relatório de ações referentes ao período de 6 a 16 de janeiro, assinado pelo ex-ministro, em que diz ter detectado “gravíssima situação dos estoques de oxigênio hospitalar em Manaus”, “logo no início do período”;
  4. Visita de Pazuello a instalações da White Martins em Manaus;
  5. Reunião do general e de coronéis do Ministério da Saúde com representantes da White Martins em Manaus;
  6. Documento de diretor jurídico da White Martins ao MPF no Amazonas, em que aponta ter havido informação e registro da situação “junto às autoridades públicas que estão à frente da questão junto ao estado do Amazonas e ao governo federal”, além de “reuniões periódicas com comitê de crise do governo federal”;
  7. Relatório do centro de operações da secretaria-executiva do ministério, referente a ações em 10 de janeiro, com registro sobre “prioridade zero” no suprimento de oxigênio aos hospitais;
  8. Chamada telefônica da Secretaria da Saúde do Amazonas ao ministério pedindo ajuda com oxigênio;
  9. Plano de contingência com registro de “estrangulamento” no fornecimento de oxigênio;
  10. Constatação de uso inadequado de oxigênio por grupos independentes mandados ao Amazonas;
  11. Relatórios da Força Nacional do SUS com registros da escalada da crise entre os dias 8 e 13 de janeiro, até o colapso no dia 14.