29 de março de 2024Informação, independência e credibilidade
Cotidiano

Cientistas advertem: Equilíbrio do meio ambiente na terra depende e muito das árvores e das aves

Cientistas estão prejudicados em suas atividades de preservação, devido ao corte de verbas pelo governo federal

Especial por Maria Tereza Pereira

A garça branca: uma ave marcante e presente na fauna brasileira/Foto: Rawelly Gonçalves

Entre os organismos essenciais para o equilíbrio do planeta, as plantas são fundamentais. Geram oxigênio, alimento, fibras, combustíveis e remédios que permitem aos humanos e outras formas de vida existir. São imperiosos para o controle da temperatura e todo o equilíbrio do ecossistema. Sendo o maior patrimônio ambiental existente nas cidades, as árvores abrigam os pássaros, que espalham as sementes e comem os insetos. Elas dão sombra e diminuem a temperatura do meio ambiente, proporcionando uma convivência humana mais saudável.

Por sua vez o grupo das aves é um dos mais estudados para fins de preservação ambiental. As aves podem ser frugívoras, granívoras (grãos e sementes), insetívoras, piscívoras (peixes), necrófagas ou onívoras. Portanto muito importante para a manutenção do equilíbrio ecológico.

No atual momento em que queimadas e desmatamentos afetam a Amazônia, além das constantes agressões a biomas espalhados pelo País, ouvir as advertências dos cientistas é mais que uma necessidade. O lamentável nessa história é que o setor de pesquisas no Brasil tem sido desmontado com o corte de verbas por parte do governo. Proteger o meio ambiente, sobretudo nesses tempos, é obrigação das autoridades e de cada cidadão.

 Sobre o tema, o eassim.com.br conversou com dois especialistas ligados às ciências biológicas, com larga experiência de atuação em campo e nas academias. Ambos militantes da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). São eles:

O Professor e Doutor Márcio Amorim Efe, natural da cidade do Rio de Janeiro, Ph. D. Biologist Laboratório de Bioecologia e Conservação de Aves Neotropicais – LABECAN- ICBS/UFAL. Possui graduação em Biologia Marinha Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestrado em Biociências e Doutorado em Zoologia pela PUC do Rio Grande do Sul. Professor da Universidade Federal de Alagoas e Professor do Programa de Pós-Graduação em Diversidade Biológica e conservação nos trópicos –PPG- DIBICT do ICBS/UFAL. Coordena o Laboratório de Bioecologia e Conservação de Aves Neotropicais- LABECAN/ICBS/UFAL. Tem experiência na área de ornitologia, com ênfase em conservação das Espécies Animais.  

E a Professora e também Doutora Flávia de Barros Prado Moura, natural de Maceió, Ph. D. Bióloga licenciada pela Universidade Federal de Alagoas (1992), Mestre em Biologia Vegetal pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 1997, Doutora em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos (2002). Pós-Doutorado em Griffith University, Austrália. Professora Associada da Universidade Federal de Alagoas. Vice-coordenadora do Centro de Referência em Recuperação de Áreas Degradadas do Baixo São Francisco (CRAD). Professora dos Programas de Pós-Graduação em Agricultura e Ambiente (UFAL), Produção Vegetal (UFAL). Leciona as disciplinas Ecologia de Comunidades Tropicais (Programa de Pós-Graduação), Botânica para Farmácia (Graduação) e Projetos integradores. Entre os Projetos estão os de Pesquisas e Orientações sobre Plantas Medicinais, Etnoecologia, Divulgação e Popularização da Ciência, Conservação em Paisagens Fragmentadas e Recuperação em Áreas Degradadas.

O gavião caranguejo à espreita. Foto: Eduardo Vieira

É AssimProfessor Márcio Efe, por que as aves são tão importantes para o meio ambiente?

ME – Assim como todos os organismos, as aves exercem uma série de funções fundamentais para o funcionamento dos ambientes e manutenção da vida no planeta, inclusive a da nossa espécie.

Algumas aves são polinizadoras, como beija-flores e sebitos, transportando o pólen de flor em flor e auxiliando na reprodução das plantas e na geração de frutos.

Outras são dispersoras de sementes, como sabiás e mutuns, auxiliando na plantação de novas árvores e no crescimento das florestas.

Outras controlam as populações de insetos e doenças (bem-ti-vi e suiriri), de presas que podem virar pragas (gaviões e falcões), aceleram a degradação de animais mortos (urubus) e todas contribuem com a nutrição do meio ambiente através de suas fezes (guano).

“Portanto, todos esses serviços prestados gratuitamente pelas aves e outros organismos mantém nossa qualidade de vida e condição de sobrevivência. Sem eles, mantendo os ambientes funcionando, não teremos alimentos (nutrientes no solo, frutas, vegetais), água (floresta protegendo nascentes), remédios (princípios ativos vegetais), matéria-prima (madeira), conforto térmico e chuvas (florestas), etc.” – Afirmou o Professor Márcio Efe.

É Assim Partindo de uma pequena amostra em relação as aves que habitam Alagoas, o que precisamos chamar atenção?

ME – Consideremos dividir as aves de Alagoas em três grupos de acordo com os ambientes que elas ocorrem: Caatinga, Mata Atlântica e Marinho.

Na Caatinga, o que nos chama atenção é que Alagoas abriga oito das treze espécies de aves, que só ocorrem na Caatinga (em mais nenhum outro lugar do mundo) e pode abrigar mais ainda, pois é o local do Estado menos estudado.

“Por outro lado, na Mata Atlântica é onde Alagoas se destaca, pois está inserida na região mais                 ameaçada do Brasil e uma das mais ameaçadas do mundo, conhecida como Centro de Endemismo Pernambuco, a parte da Mata Atlântica que vai do São Francisco ao Rio Grande do Norte. Alagoas abriga também a área mais importante para conservação de aves ameaçadas do País”.

No litoral e oceano, Alagoas recebe a visita de aves marinhas e aquáticas que migram de várias localidades do planeta. As aves de praia (maçaricos e batuíras) vem do Canadá e ficam aqui entre setembro e abril. As aves marinhas costeiras (trinta-réis) e oceânicas cruzam o oceano durante todo ano, vindas do norte e sul do continente americano, das ilhas canárias e da Antártica.

É AssimNove em cada dez aves marinhas possuem plástico no estômago. O que a comunidade humana precisa saber? O que é possível fazer para evitar esse tipo de agressão?

ME – O plástico (pedaços visíveis) e o micro e nano plástico (partículas invisíveis a olho nu) já são uma ameaça para os animais marinhos, para os animais terrestres e para nós humanos. Grande parte dos ambientes já estão contaminados e o plástico vem sendo transferido através das cadeias de alimentação desde os menores animais até o homem. Hoje essas partículas microscópicas já estão presentes em vegetais (hortaliças, verduras e frutas) e nas carnes (gado e peixes).

“No mar os pedaços maiores são capturados pelas aves marinhas direta (boiando) ou indiretamente (dentro dos peixes), levando a morte por inanição ou contaminação”, explicou o professor Márcio Efe.

O professor especialista Márcio Efe, reforçou que “todo esse plástico no ambiente é fruto do descarte irresponsável feito por pessoas físicas e jurídicas”. O professor comentou: “ Todo cidadão deve jogar embalagens e produtos de plásticos na lixeira, em coletas seletivas, lixeiras adequadas para reciclagem. Empresas devem descartar corretamente o lixo plástico e os governantes devem expandir e fomentar as iniciativas de separação, coleta e reciclagem desses materiais. Além disso, ampliar a educação ambiental nesse sentido é a melhor estratégia para mudar essa realidade”, concluiu.

O professor Márcio nos repassou imagens feitas por Rawelly Gonçalves.  Registros da Garça branca grande, que habita a região de Japaratinga, no litoral norte alagoano; do Quiri-quiri na região de Paripueira, também litoral norte de Alagoas e do Sabiá- laranjeira. O professor e ornitólogo Márcio Efe explicou que as garças, por exemplo, costumam se associar a ambientes degradados, assim como os urubus.

O Sabiá Laranjeira: presença constante em nossa fauna

“Todos os serviços prestados gratuitamente pelas aves e por todos os outros organismos mantém nossa saudável qualidade de vida. Assegurar os ambientes funcionando adequadamente, depende da consciência ampla de tudo e de todos, reconhecer a importância de nutrientes no solo, frutas e vegetais saudáveis, manter a água limpa, proteger e preservar plantas, árvores, florestas, protegendo suas nascentes. Tudo é importante, a natureza fornece remédios (princípios ativos vegetais), matéria-prima (madeira), conforto térmico e chuvas, alimentando as florestas, o planeta, a vida” – Professor Márcio Efe.

Albatroz de nariz amarelo/Foto: Álvaro Borba

Tudo está interligado e tudo precisa ser cuidado e preservado de maneira favorável para todos.

A harmonia na natureza depende de um respeito e apropriada consonância. Como diz a letra da canção “A ordem das árvores”:

“Em todo rouxinol tem sempre um jasmineiro

Todo bem-ti-vi carrega uma paineira.

Tem sempre um colibri que gosta de jatobá

Beija-flor é casa de ipê

Cada andorinha é lotada de pinheiro

… o joão-de-barro adora o eucalipto

A ordem das árvores não altera o passarinho”.

 

 

 

E falando em árvores, natureza, pesquisas e preservação das espécies, a Professora e Doutora Flávia Moura afirmou que se apaixonou pelas Ciências Biológicas no primeiro ano do ensino médio, foi naquele momento que tomou a decisão de cursar biologia. Conta que foi assistindo Jacques-Yves Cousteau, o mundialmente reconhecido pesquisador das mais importantes descobertas para o equilíbrio do planeta e grandioso ambientalista do mundo subaquático, que sua motivação pela biologia ficou acentuada. “Sempre achei tudo fascinante, por gostar de quase tudo dentro da biologia”. Gostaria de ter mergulhador com Jacques Cousteau – diz a professora Flávia, “ele morreu em 1997, no ano em que defendi a minha dissertação de Mestrado numa área de pesquisa muito diferente, com ecologia de florestas tropicais”. A professora explica que entre as diversas mudanças de áreas de pesquisa que transitou, suas descobertas e aprofundamentos passaram pela etnoecologia, botânica e ecologia da restauração.

“Ocupação brasileira

pelo litoral

impactou a mata atlântica”

A professora pesquisadora Flávia de Barros Prado Moura explica, que a importância das árvores, o estudo de suas diversidades e a preservação das espécies é de grande importância. Como a ocupação do Brasil foi feita pelo litoral, toda zona costeira, domínio da mata atlântica foi logo impactada. Em grande parte do nordeste e Alagoas não foi diferente, a ocupação da região litorânea cada vez mais intensa, tem causado uma pressão muito grande sobre as espécies e árvores comuns como cajueiros, ouricuris e mangabeiras dentre outras vem desaparecendo. “A remoção destas espécies, além de trazer prejuízos para a população humana, que dependia de sua coleta, causam redução de recursos da fauna”. A professora diz ainda que é urgente “criar novas unidades de conservação e implementar planos de manejo nas unidades existentes no litoral – para que se proteja estas espécies de plantas”.

É Assim –  Professora Flávia Moura, como é o trabalho de um botânico? O conhecimento herdado sobre plantas que curam, o conhecimento popular serve como base de apoio para o conhecimento científico das plantas medicinais?

FM – Existem muitas áreas de estudo dentro da botânica. No meu caso, diz a professora, trabalho com identificação, registro de ocorrência, uso e conservação de plantas. Dentre os diversos usos, também estudo o uso medicinal das plantas. Sou professora de botânica para o curso de Farmácia da UFAL. Na minha disciplina trabalhamos com plantas medicinais.

A professora Flávia lembra, que as plantas medicinais são usadas pela humanidade há milênios. Algumas delas foram a base para síntese de moléculas que compõem os medicamentos sintéticos. O conhecimento popular sobre plantas foi fundamental para o desenvolvimento da ciência médica e farmacêutica, no que se refere a síntese e prescrição de medicamentos. “Uma planta medicinal é qualquer planta que tenha em um ou mais de seus órgãos contendo substâncias usadas terapeuticamente ou que seja precursora de fármacos semissintéticos”.

Segundo a pesquisadora botânica Flávia Moura, no início – os químicos estudavam plantas consagradas pelo uso popular, geralmente incorporadas às farmacopeias da época, limitando-se ao isolamento e à determinação estrutural de substâncias ativa.

O conhecimento indígena, por exemplo, impulsionou e ainda impulsiona o desenvolvimento das pesquisas em produtos naturais”.

É AssimQue tipo de plantas medicinais são usadas pela comunidade? Estas plantas chegaram a ter comprovação científica?

FM – Muitas plantas ainda são usadas in natura ou como fitoterápicos. Outras serviram de base para medicamentos sintéticos. Por exemplo, os povos nativos americanos usavam a casca do salgueiro para combater a dor de cabeça, febre, dores musculares, reumatismo e calafrios. Com base nas propriedades medicinais dos salicilatos obtidos do salgueiro, foi produzido o ácido acetil salicílico, AAS. A partir de 1897 ele foi colocado no mercado, sob o nome de Aspirina.

É Assim – Quais as plantas medicinais existentes no território alagoano? E em Maceió, em que local se encontram?

PFM – Existe pouca informação sobre plantas medicinais nativas da nossa flora. A maior parte das plantas medicinais usadas hoje são exóticas e cultivadas. Isso ocorre porque para uma planta ser usada oficialmente e prescrita, precisa passar por muitas fases de pesquisa com experimentos controlados.

“Pesquisas são muito caras e por esta razão não se avança para colocar mais plantas medicinais no mercado. Assim temos maior uso de plantas medicinais exóticas, cujas pesquisas foram concluídas em outros países. No Brasil, raramente passamos da primeira fase, que é a comprovação e eficácia in vitro. Após esta fase poucas plantas, mesmo que muito promissoras, não são analisadas devido ao altíssimo custo das pesquisas. O que é uma pena, porque o Brasil é o país de maior diversidade biológica do mundo e parte desta diversidade poderia estar sendo usada para melhorar a saúde da população, gerando uma renda local. A maior parte das plantas nativas acaba sendo usada a partir do conhecimento popular, sem ter tido sua segurança e eficácia comprovada. É o caso de muitas plantas de nossa caatinga, principalmente.

É AssimQuais as principais árvores nativas de Maceió?

FM – Maceió é uma cidade litorânea, sua flora nativa inclui árvores da mata atlântica, incluindo restingas e manguezais. Nós tínhamos a predominância de mangabeiras, cajueiros (incluindo cajueiro-brabo), mungubeiras, ouricuris, sucupiras, ipês-amarelos, barbatimão, angelim,  murici, canela-de-velho e aroeira da praia. Diria que estas são as principais. Muitas já escassas ou em extinção. Além da beleza exuberante estas árvores têm excelentes propriedades e benefícios. Delas são extraídas a casca, as folhas, as flores, as entrecascas. Todas precisam de uma orientação especialista e passar adequadamente por todos os processos de pesquisas, controles, seguranças e eficácia comprovada cientificamente. O que depende de incentivo e investimento científico.

Pesquisa sofre com corte de verbas

O corte de verbas para pesquisas, faz o país perder grandes talentos. Os cortes nos orçamentos atingiram vários setores, mais diretamente educação, saúde, ciência e tecnologia, causando enormes prejuízos de todas as formas. O  governo federal desestruturou o setor de pesquisas, a ciência é prejudicada e o País é quem perde, pois fica sem referência para a preservação necessária de seu patrimônio natural, provavelmente o mais rico do mundo, quando se trata de fauna e flora. Lamentável.

O banho da Garça na praia de Tabuba, Paripueira (AL). Foto: Albino Paiva