20 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Justiça

Desembargador que defendeu homofobia de Bolsonaro ordena retirada de filme do Porta dos Fundos

Ministro do STF, Marco Aurélio chama decisão de bárbarie e diz que a mesma será derrubada no supremo

O TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) determinou que a plataforma de streaming Netflix tire do ar o especial de Natal do grupo Porta dos Fundos, intitulado A primeira tentação de Cristo.

O programa, que estreou em dezembro, provocou polêmica ao satirizar histórias bíblicas, retratando Jesus Cristo como um homem gay e um triângulo amoroso entre José, Maria e Deus.

A decisão liminar que determina a censura ao filme foi concedida pelo desembargador Benedicto Abicair, da Sexta Câmara Cível do TJ-RJ, a pedido da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, uma entidade conservadora católica.

A Primeira Tentação de Cristo” Segundo o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, a decisão caracteriza censura e será derrubada pelos tribunais superiores. Para o ministro, a decisão de retirar do vídeo não tem amparo na Constituição.

“É uma barbaridade. Os ares democráticos não admitem a censura”. Marco Aurélio, ministro do STF.

Pra acalmar os ânimos

O desembargador justificou a medida “para acalmar os ânimos” —na véspera de Natal, um grupo neofascista atirou coquetéis molotov contra a sede do Porta dos Fundos, no Humaitá, zona sul do Rio.

Eduardo Fauzi Richard Cerquise, que se encontra foragido na Rússia, teve decretada a prisão provisória por suspeita de tentativa de homicídio por explosão. A polícia tenta identificar outros quatro suspeitos.

Abicair diz que o pedido para retirar do ar o programa é “mais adequado e benéfico, não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do agravo”.

O Desembargador

Abicair atuou como advogado de 1978 a 2006, quando passou a ocupar vaga de desembargador do TJ-RJ destinada a advogados. Ele frequentemente escreve para sites jurídicos sobre variados temas, tendo com frequência posições em defesa de interesses corporativos da magistratura.

Em meio à polêmica sobre o fim do auxílio-moradia para juízes, o desembargador escreveu um artigo para o site Conjur, em março de 2018, em que ironizava as afirmações de que membros do Judiciário seriam privilegiados com salários exorbitantes.

No texto, ele afirma que os juízes ingressam na carreira por concurso público depois de “20 anos de estudo” e, ao assumir o cargo, passam por uma “nova etapa de agruras”. “Como é difícil e sacrificante a vida na magistratura”, desabafa no artigo.

Defesa de Bolsonaro

Ele ainda votou em 2017 pela absolvição do então deputado federal e atual presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) por conta de comentários homofóbicos proferidos no programa “CQC”, da TV Bandeirantes. Bolsonaro foi condenado em primeira e segunda instâncias a pagar R$ 150 mil pelas declarações que fez em 2011.

Voto vencido naquele julgamento, Abicair se amparou, entre outros argumentos, na liberdade de expressão para respaldar que Bolsonaro não deveria ser condenado a pagar danos morais.

“Não vejo como, em uma democracia, censurar o direito de manifestação de quem quer que seja. Gostar ou não gostar. Querer ou não querer, aceitar ou não aceitar. Tudo é direito de cada cidadão, desde que não infrinja dispositivo constitucional ou legal”. Benedicto Abicair, desembargador, defendendo Bolsonaro em 2017.