Por Osvaldo Pife
Para começo de prosa, Deus não se preocupa com os seres humanos, na árdua frase de Albert Einstein.
Nesse intento, achar que Ele se contorce com as nossas palavras é colocá-Lo no chão da imbecilidade. Isso mesmo, Deus não é imbecil, na visão do filósofo Baruch Spinoza, o de Espanha.
Deixá-Lo no nível dos humanos, os quais se preocupam com as roupas e com as palavras, é sepultá-lo como Divino. Ser divino não é ser um humano melhorado. É ser… divino, óbvio. É não ter a forma humana e ser deífico. Isso mesmo, semelhante a um deus e não a um humano. Deus é um deus. Simples assim. Ele não tem ouvidos para as palavras dos bípedes falantes; e não as quer, de jeito nenhum, exatamente para não inclinar as orelhas a esses insignificantes de vida curta e ter que ouvir bobagens. O Divino, esse sim, tem uns dizeres melhores que os dos humanos, queiramos ou não queiramos todos nós. Tanto é que se propagam as suas palavras, já escritas num livro grosso, milenar. Foi assim desde Abraão.
Até um palestino morreu torturado numa cruz pelas suas palavras, saídas com sangue das vozes desse mesmo homem de Nazaré.
E o palavrão? Bom, Deus você já sabe de quem se trata. Não tenho mais o que dizer Dele. Até as letras maiúsculas em sua referência usei-as, em respeito a sua divindade como um deus.
O palavrão é uma expressão de desabafo psicológico na dor, na topada em um meio-fio, na raiva, na traição, na alegria, na derrota, no desejo, na morte, no erro e na glória. “Porra”, por exemplo, é emblemático e universal, para a salvação de nossas almas. Não haveria humanidade sem o palavrão. Humanidade não de ser multidão, mas humanidade de convivência social e cultural. Todo povo tem seus palavrões como símbolos permanentes regionais e culturais. Fosse o contrário, a humanidade, agora sim, a multidão, seria um amontoado de zumbis.
O palavrão é o mais sublime registro cultural dos seres vivos. É contido, apenas, em obediência aos protocolos, não que ele seja marginal. Ele só tem esse nome porque chega a ouvidos cheios de escrúpulos, de preconceitos e de moralidades bestas. Quando sai das bocas, ele é a libertação. Proponho até que em nossa bandeira seja retirado o “ordem e progresso” e se coloque “Quem manda neste cacete somos nós. O resto é merda”, mantendo as cores e as estrelinhas.
O que seria da torcida do Botafogo na final da Libertadores, em 2024, não fosse o palavrão no momento da expulsão relâmpago, aos 30 segundos do primeiro tempo, do jogador Gregore. Milhares, ou milhões, gritaram um palavrão, cada um a sua maneira e significado, como letra de um hino de estrofes trôpegas numa batalha derrotada, numa guerra perdida. 90 minutos depois, o time do Garrincha havia arrancado das mãos dos mineiros o título. Palavrões ecoaram pelo continente, em catarse, em bocas nunca dantes navegados. Não se trata de ser botafoguense, claro que não. Trata-se da mais incrível e salvadora palavra da linguagem humana: o palavrão. Aqueles torcedores diziam: “Carai! Obrigado, meu Deus!”
Deus acha o máximo quando você chama um palavrão. Ele sabe que saiu de sua boca o mais autêntico sermão de sua vida. Saiu das entranhas dos desejos e da sinceridade a mais enxuta palavra graciliânica das lavadeiras de Alagoas. Deus não ouve o vazio, a ausência de significado, nem muito menos o arrodeio dos falsificadores de lágrimas. Isso mesmo, ele só escuta a semântica, não a palavra. Não está nem aí para as vozes humanas. Lembra? Ele é divino, um deus, não um imbecil.
Graças ao palavrão, é que falamos a mais linda frase de todos os afetos humanos: “Diz que me ama, porra!”.
*Osvaldo Epifânio (Pife) é escritor e professor da rede pública e privada em Alagoas.