Dia dos jornalistas: representantes denunciam precarização da categoria

Como conteúdos profissionais podem vencer fakes
Brasília (DF) 29/02/2024 Senador, Marcelo Castro, durante coletiva após reunião de líderes do senado onde apresentou a sua proposta do novo Código Eleitoral. - microfones, entrevista, coletiva, jornalistas - Foto Lula Marques/ Agência Brasil
Foto: Lula Marques/ Agência Brasil
A data de 7 de abril, Dia dos Jornalistas no país, tornou-se uma oportunidade de garantir visibilidade às reivindicações de uma categoria que enfrenta o desafio de disputar espaço contra desinformação. Representantes de entidades ligadas aos profissionais da notícia pedem dos sistemas privado e público melhores condições de trabalho. 

Isso inclui não somente o pedido por “salários dignos”, mas também a garantia de direitos contra precarização, que cresceu entre 2013 e 2023, segundo as entidades consultada.

“O setor perdeu cerca de 18% dos empregos formais”, alerta a presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Samira de Castro.

Em nome do fortalecimento da profissão, as entidades pedem, por exemplo, a volta da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão, que foi cancelada por uma decisão do Supremo Tribunal Federal em 2009. O STF reconheceu, na época, um requerimento do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão de São Paulo, que pedia o fim da obrigatoriedade.

Valorização

De acordo com Samira de Castro, a categoria reitera a luta por valorização profissional e por um jornalismo sustentável. Além do diploma, a Fenaj argumenta que há necessidade de criação de políticas públicas de fomento ao jornalismo. “Defender o jornalismo é defender a democracia — e isso exige condições dignas de trabalho, liberdade de imprensa e compromisso com a informação de qualidade”.

O diretor de jornalismo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Moacyr Oliveira Filho, informou que a entidade divulgará uma nota nesta segunda para solicitar também regulamentação das grandes corporações de tecnologia ─ conhecidas como big techs ─, combate ao assédio judicial e às ameaças a jornalistas e também pelo combate às fake news. Outra reivindicação da ABI é o fortalecimento das mídias regionais, populares e comunitárias.

Piso salarial

Em relação às dificuldades das mídias regionais, o presidente do Sindicato dos Jornalistas no Estado do Pará (Sinjor-PA), Vito Gemaque, diz que a principal pauta dos profissionais no local é a luta por melhorias nos salários dos jornalistas e nos direitos da categoria.

Ele lamenta que, mesmo Belém sendo a sede da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30), em novembro, o que pode trazer receita de publicidade para as empresas de comunicação, os jornalistas no Pará têm um dos menores salários do Brasil. O piso hoje é R$1.985 para jornalistas em Belém e, em torno de R$ 1,8 mil para outros municípios.  O salário mínimo no Brasil é de R$ 1,5 mil.

“É sempre uma dificuldade a negociação. Nas publicidades, o dinheiro circula, inclusive do governo do estado e prefeituras. E a gente não vê esse retorno”.

Está marcada uma data de negociação para 1º de maio com as empresas, conta ele. “Mas, até agora, a gente não teve nenhum retorno das nossas propostas”.

Os pedidos dos jornalistas incluem aumento de 10% no salário dos jornalistas e um piso salarial de dois salários mínimos.

Fake News; Notícia Falsa; Celular; Notebook; Computador; Notícia - Nova onda de fake news no Brasil influencia a guerra digital. Foto: Freepik
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De um lado do front, postagens com conteúdos que se assemelham a notícias ou mesmo aqueles com aparência de amadorismo, mas que se apresentam como se estivessem interessados em denunciar irregularidades. Do outro lado, notícias e reportagens produzidas por jornalistas profissionais baseadas em apuração e checagem de fatos. Eis o duelo. 

Vencer essa disputa pela atenção da sociedade tem sido um dos maiores desafios da categoria e dos veículos de comunicação, e esse é um debate que se impõe em datas como o Dia dos Jornalistas, celebrado nesta segunda, 7 de abril.

De acordo com pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil, o que pode estar em jogo nessa batalha é a garantia do direito humano à informação e também a manutenção da democracia. Mesmo não se tratando de um contexto simples de ser enfrentado, quem estuda o tema garante que há estratégias em diferentes dimensões para proteger a sociedade.

Apelo da desinformaçãoO interesse maior de parcela da sociedade por esses conteúdos desinformativos pode ser explicado também pela elitização no acesso a conteúdos profissionais até a revolução digital, no final do Século 20. Segundo a professora Sílvia Dal Ben, que faz pesquisa de doutorado na Universidade do Texas, em Austin (EUA), sobre jornalismo automatizado, a internet gerou um processo de democratização, tanto do acesso ao conteúdo quanto dos meios de produção dos conteúdos.

Se o jornalismo sensacionalista atrai muito os leitores, isso ocorre, no entender dela, tanto por causa do ponto de vista estilístico, mas também pelas condições tecnológicas de infraestrutura.

“Essa democratização dos meios de produção e da mídia, nos últimos 30 anos, abriu espaço para públicos, leitores, espectadores, terem contato com mensagens e conteúdos jornalísticos de comunicação e de mídia que antes não tinham”, pondera.

O problema é que também abre espaço para disseminação de conteúdos que não são confiáveis e com interesse de gerar manipulação. “É como se a gente vivesse hoje numa Torre de Babel. As pessoas se comunicam, têm muita informação, mas parece que elas não se entendem”, diz Silvia Dal Ben.

“É preciso mudar a mentalidade”

A pesquisadora brasileira, que conclui a tese este ano nos Estados Unidos, avalia que foi um “tiro no pé” a ideia de que, com a internet,  a informação deveria ser em um formato mais conciso, simples e curto. “A gente abriu espaço para uma alfabetização de conteúdo digital muito superficial. Nós, jornalistas, precisamos mudar essa mentalidade e as práticas jornalísticas de ficar produzindo notinhas mal apuradas e pouco aprofundadas”, critica.

Ela não entende que postagens apenas em nome de audiência possam fortalecer o jornalismo profissional. “A base do jornalismo é informação checada. Com boa apuração, informação checada e de qualidade”. Para vencer a “batalha”, o fundamental, como defende a pesquisadora, é, em primeiro plano, oferecer para as audiências um conteúdo de qualidade proporcionado por uma estrutura que garanta aos profissionais tempo e recurso.

“Mais apuração”

No campo das estratégias, inclusive, a professora Fabiana Moraes, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), avalia que materiais desinformativos já têm sido combatidos pelo jornalismo profissional com estéticas semelhantes às das fakes, mas com conteúdos responsáveis.

Para ela, pode ser útil buscar semelhanças à estética desses tipos de postagens e incorporar informações socialmente responsáveis. “A estética é a forma, mas [é necessário] preenchê-la com um conteúdo profissional, bem escrito e apurado. Ou seja, jornalismo”, diz a docente que teve, na carreira jornalística, a marca de pautas aprofundadas em direitos humanos, que lhe renderam, por exemplo, três prêmios Esso e seis livros.

Ela considera que está incluída, nesse contexto de batalha, outra “densidade de disputa”, tanto nas redes sociais quanto fora delas. Isso porque, conforme considera, as fake news têm facilidade de capturar essa atenção por conta do “espírito de achaque”, com elementos de sensacionalismo e de baixa qualidade informativa.

“Nova distribuição”

Outra estratégia que precisa ser reconfigurada nesse cenário, segundo Sílvia Dal Ben, é o da distribuição de conteúdo para as pessoas.

“Os jornalistas e os meios de comunicação têm que utilizar as mesmas ferramentas que os influenciadores e as personalidades de redes sociais. E distribuir os seus conteúdos de qualidade em diferentes formatos”, receita.

Da mesma forma, a professora de comunicação Thaïs de Mendonça Jorge,  da Universidade de Brasília (UnB), defende necessidade de aperfeiçoar as estratégias de chamada de atenção, uma vez que existe uma queda no interesse da leitura no País. “Nós temos que interpretar mais e fazê-las compreender como aquele tema pode ser interessante para a vida delas”.

A professora da UnB organizou a publicação do livro o livro Desinformação – O mal do século – Distorções, inverdades, fake news: a democracia ameaçada, resultado de uma parceria entre a UnB e o Supremo Tribunal Federal

A pesquisadora defende que a indústria de desinformação tem tentáculos que organizam e distribuem os materiais para enredar o público. “Eles usam esse artifício do bombardeamento. Muita gente não tem instrução e se deixa levar por essa onda, que é uma ‘modalidade’ de informação”, lamenta.

“Alfabetização para a mídia”

Aliás, sobre o desafio diante das audiências, segundo o que argumenta a professora Silvia Dal Ben, é necessária a alfabetização de mídia para ensinar diferentes públicos a diferenciar um conteúdo profissional com credibilidade de conteúdos falsos e manipuladores. Em acréscimo, a professora considera que o caminho da distribuição é outra ação importante nessa guerra, uma vez que há um fenômeno internacional de se “evitar notícias”.

Inclusive, para o pesquisador Josenildo Guerra, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), diante da dificuldade notória de enfrentamento, são necessários produtos que possam conciliar uma qualidade informativa com uma narrativa que possa se tornar também interessante para esse público.

“É muito desafiador, porque as fake news operam com informações truncadas e de certo apelo que se tornam objetos de consumo fácil”. Por isso, ele defende mais pesquisas para desenvolver novos produtos que aliem qualidade informativa com uma narrativa que seja interessante e acessível para o público.

“Escuta plural”

Brasília (DF) 26/10/2023   Comissão de Comunicação da Câmara realiza audiência pública sobre a importância da formação superior para o exercício do jornalismo. ( Samira de Castro Cunha, presidenta da FENAJ).  Foto Lula Marques/ Agência Brasil
Samira de Castro Cunha, presidente da FENAJ, em audiência na Câmara dos Deputados Lula Marques/ Agência Brasil

A presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Samira Castro, pondera, entretanto, que o jornalismo profissional tem uma força que as fake news não têm: o compromisso com a verdade, com a apuração séria, com a escuta plural e com a responsabilidade pública.

A representante da categoria defende que, quando o jornalismo consegue traduzir temas complexos de forma acessível, com rigor e sensibilidade, conquista confiança.

“E é essa confiança que pode vencer o ruído das mentiras. A credibilidade, construída com ética e consistência, é o nosso maior trunfo nesse duelo”.

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