19 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

Em 2019, Osmar Terra vetou estudo da Fiocruz sobre combate a drogas no Brasil, hoje o pior do mundo no quesito

“Andei nas ruas de Copacabana, e estavam vazias, se isso não é uma epidemia de violência que tem a ver com as drogas, eu não entendo mais nada”, disse ex-ministro da Cidadania que não confiou no resultado de 16 mil entrevistas feitas por 500 pesquisadores

Historicamente, o Brasil lida sua política de drogas como uma questão policial e de segurança, não social. Evidenciado em muitos anos como as apreensões de sempre com quilos ou toneladas de drogas apreendidas e ações que terminam em morte ou presos que serão recrutados por facções em prisões.

E esse enxugar de gelo resulta, segundo o Global Drug Policy Index, a pior política de drogas do mundo. Segudo ranking publicado neste domingo, dentre 30 nações analisadas, o Brasil ficou atrás até mesmo de Uganda (um dos mais pobres), Indonésia (de forte repressão) e Afeganistão (há décadas em guerra).

Distante dos países na ponta do ranking, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido e Austrália, o Brasil perdeu em critérios como a existência ou não de pena de morte, descriminalização e financiamento de políticas de redução de danos.

A conclusão do ranking é que “a dominância global de políticas de drogas baseadas em repressão e punição levou a uma pontuação baixa em geral”. E não que fosse fazer muita diferença para este resultado de hoje, mas um grande reflexo deste desastroso desempenho pode ser ilustrado em Osmar Terra.

Osmar Terra engavetou estudo da Fiocruz

Durante três anos, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) fez 16 mil entrevistas com 500 pesquisadores para desenvolver o 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, entre 2016 e 2018.

Este, um censo do consumo de substâncias lícitas e ilícitas no Brasil, custou R$ 7 milhões, pagos pelo governo. Mas acabou sendo engavetado pelo mesmo, já que a Fiocruz foi impedida de divulga-lo. O estudo teria sido engavetado porque não confirma a existência de uma epidemia de drogas no país, e vai de encontro com o achismo do ministro da Cidadania na época, Osmar Terra.

Segundo a Fiocruz, “o 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira é mais robusto e abrangente que os dois anteriores, pois inclui, além dos pouco mais de 100 municípios de maior porte presentes nos anteriores, municípios de médio e pequeno porte, áreas rurais e faixas de fronteira”.

Embora a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad ), órgão ligado ao Ministério da Justiça, alegasse na época que a pesquisa não é divulgada porque a Fiocruz não teria cumprido exigências do edital, o próprio Osmar Terra pareceu confirmar o que suspeitam os especialistas ao atacar a instituição e alegar que a pesquisa não comprova o que se vê “nas ruas”, em maio de 2019:

“Eu não confio nas pesquisas da Fiocruz. Se tu falares para as mães desses meninos drogados pelo Brasil que a Fiocruz diz que não tem uma epidemia de drogas , elas vão dar risada. É óbvio para a população que tem uma epidemia de drogas nas ruas. Eu andei nas ruas de Copacabana, e estavam vazias. Se isso não é uma epidemia de violência que tem a ver com as drogas, eu não entendo mais nada. Temos que nos basear em evidências”. Osmar Terra, ministro da Cidadania.

A Fiocruz compilou evidências que poderiam balizar políticas públicas sobre drogas e reafirma seu prestígio internacional, justamente por seu rigor científico. Osmar Terra não concordou: “É prestigiada para fazer vacina, para fazer pesquisa de medicamento. Agora, para droga, ela tem um viés ideológico de liberação das drogas”.

Leia mais: Para nunca esquecer: Bolsonaro e Osmar Terra são responsáveis diretos pelo caos da pandemia no Brasil

Curiosamente, nem mesmo o prestígio para fazer vacina valeu, pois no ano seguinte, o informal ministro da Saúde foi peça central para validar sabotagens na ação contra a pandemia da Covid-19. Ele não só defendeu imunidade natural de rebanho e remédios que não funcionavam, como minimizava a gravidade da pandemia. Isso mesmo depois de ser internado numa UTI.

Osmar Terra tomou a da política sobre drogas no início do governo Bolsonaro. Ele foi um dos autores do decreto, assinado em abril de 2018, da nova Política Nacional sobre Drogas (Pnad) , que previa foco em abstinência no tratamento de dependentes químicos. Ele também comemorou aprovação no senado de PL que altera a Lei de Drogas e inclui a internação involuntária para dependentes.

E como o estudo foi engavetado porque não confirmava a existência de uma epidemia de drogas no país, indo encontro com o achismo do então ministro da Cidadania, Osmar Terra, ele acabou autorizando e assinando esta antiquada campanha anti-drogas do governo:

A peça ataca o receio do governo com a maconha, tida como porta de entrada para outras drogas. Esta linha de pensamento reforça ainda o “diga não”, semelhante à falha campanha “just say NO” do governo Ronald Reagan, nos anos 80, que atacou de forma errada a problemática.

Hoje, os Estados Unidos podem arrecadam mais de US$ 130 bilhões em impostos e 1 milhão de empregos com a maconha, já liberada em diversos estados. Já por aqui, somos o pior do mundo neste quesito. Por puro achismo de quem não sabe do que está falando.