18 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

Em depoimento na PF, Bolsonaro diz que Moro pediu vaga no STF

Ex-juiz e ex-ministro da Justiça disse ser impróprio sua defesa não ter sido avisada de fala

Maurício Valeixo, comandante da PF, era homem de confiança de Moro, mas Bolsonaro insistiu em exonerá-lo

O presidente Jair Bolsonaro prestou depoimento para a Polícia Federal na noite de quarta-feira (3), em Brasília, no âmbito do inquérito que apura se ele interferiu indevidamente no órgão.

O presidente negou qualquer ingerência na PF, mas confirmou que em meados de 2019 solicitou ao ex-ministro Sérgio Moro a troca do diretor Geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, “em razão da falta de interlocução que havia entre o Presidente da República e o Diretor da Polícia Federal”.

Segundo Bolsonaro, não havia qualquer insatisfação ou falta de confiança com o trabalho realizado por Valeixo, apenas “uma falia de interlocução”.

Bolsonaro confirmou também que sugeriu a Moro a nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo. Segundo o presidente, a escolha seria “em razão da sua competência e confiança construída ao longo do trabalho de segurança pessoal do declarante durante a campanha eleitoral de 2018”.

À PF, Bolsonaro disse que Moro teria concordado com indicação de Ramagem “desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal”.

Bolsonaro disse ainda que nunca teve como intenção, com a alteração da Direção Geral da PF, obter informações privilegiadas de investigações sigilosas ou de interferir no trabalho de Polícia Judiciária ou obtenção diretamente de relatórios produzidos pela Polícia Federal.

Questionado pelo delegado Leopoldo Soares Lacerda o que quis dizer quando afirmou que tinha uma “PF que não me dá informações”, durante a reunião ministerial que Moro usou para acusá-lo de interferência, Bolsonaro declarou que “quis dizer que não obtinha informações de forma ágil e eficiente dos órgãos do Poder Executivo, assim como da própria Polícia Federal e que quando disse “informações” se referia a relatórios de inteligência sobre fatos que necessitava para a tomada de decisões e nunca informações sigilosas sobre investigações.

Outro lado

A defesa do ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro criticou o depoimento prestado pelo presidente Segundo Rodrigo Sánchez Rios, advogado de Moro, o ex-juiz deveria ter sido informado sobre o depoimento, uma vez que a investigação foi iniciada a partir de afirmações feitas por Moro.

“A defesa do ex-ministro Sergio Moro foi surpreendida pela notícia de que o presidente da República, investigado no Inquérito 4831, prestou depoimento à autoridade policial sem que a defesa do ex-ministro fosse intimada e comunicada previamente, impedindo seu comparecimento a fim de formular questionamentos pertinentes”. Advogado de Moro.

Rios também argumentou que a diferença entre o procedimento para o depoimento de Moro, em 2020, e o de Bolsonaro representa uma “falta de isonomia”.

O presidente prestou depoimento à Polícia Federal na noite de ontem, em Brasília. Ele é investigado por suposta interferência indevida na PF, o que foi denunciado por Moro ao deixar o Ministério da Justiça.

Depoimento presencial

Este depoimento foi uma determinação do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo do STF, motivada por denúncias do ex-ministro da Justiça Sergio Moro.

A investigação acontece desde abril do ano passado e já foi prorrogada várias vezes, a última em julho deste ano. Este é um dos quatro inquéritos que correm contra Bolsonaro no Supremo.

Leia mais: Veja os 7 inquéritos no STF e TSE que tem como alvo Bolsonaro e seu entorno:

Supremo Tribunal Federal

Fake news: A investigação iniciada em 2019 busca identificar autores de notícias falsas disseminadas nas redes sociais contra ministros do Supremo e já resultou em busca e apreensão contra apoiadores de Bolsonaro. A pedido do TSE, o ministro Alexandre de Moraes incluiu o presidente entre os alvos. É provável que a apuração prossiga 2022 adentro;

Quadrilha digital: Fruto do inquérito dos atos antidemocráticos, arquivado a pedido da PGR, a apuração busca identificar grupo por trás de ataques à democracia na internet. Apoiadores do presidente são alvos. Ao determinar a apuração, Alexandre de Moraes fez menção ao próprio Bolsonaro e a seus filhos. A polícia abriu o inquérito em julho;

Interferência no comando da PF: Apuração aberta após o ex-ministro da Justiça Sergio Moro atribuir a Bolsonaro tentativa de implementar mudanças na cúpula da PF com o objetivo de proteger parentes e aliados. Alexandre de Moraes determinou que a PF retome a investigação independentemente do julgamento que o STF fará em setembro para definir o modelo de depoimento que o chefe do Executivo prestará à polícia;

Prevaricação no caso da vacina Covaxin: A ministra Rosa Weber determinou no início do mês de julho a abertura de inquérito para apurar a acusação feita contra o presidente Jair Bolsonaro de que ele prevaricou no caso da compra do imunizante indiano ao ser informado sobre irregularidades no processo de aquisição e não acionar órgãos de investigação;

Vazamento de inquérito sigiloso: A pedido do TSE, Alexandre de Moraes mandou apurar o vazamento de informações sigilosas de inquérito instaurado em 2018 pela PF sobre uma invasão hacker a sistemas eletrônicos da Justiça Eleitoral. As informações desse inquérito foram divulgadas por Bolsonaro em live com o propósito de sustentar a acusação que faz ao sistema eleitoral;

Tribunal Superior Eleitoral

Disparos em massa via WhatsApp: A investigação do TSE foi iniciada nas eleições de 2018 após a Folha revelar a existência de um esquema bancado por empresários apoiadores de Bolsonaro para o disparo em massa de fake news. O tribunal pediu ao ministro Alexandre de Moraes o compartilhamento das provas colhidas nos inquéritos da fake news e dos antidemocráticos;

Fake news sobre urnas eletrônicas: Por sugestão do corregedor-geral eleitoral, ministro Luís Felipe Salomão, o TSE abriu um inquérito administrativo para apurar a conduta de Bolsonaro, que, sem apresentar provas, afirma que o sistema eleitoral é vulnerável a fraudes.

Celso de Mello e Moro

Há mais de um ano, em setembro de 2020, o então ministro Celso de Mello negou ao presidente a possibilidade de depor por escrito. Mello, que se aposentou logo em seguida, deu a Bolsonaro o direito de comparecer ou não ao depoimento. Caso escolha depor, no entanto, o presidente terá que comparecer presencialmente, segundo o entendimento de Mello.

Com a saída de Celso de Mello, o caso passou às mãos de Alexandre de Moraes. Além de conduzir este processo, Moraes é relator de outros dois inquéritos contra Bolsonaro, mais recentes, que investigam ataques do presidente ao sistema eleitoral.

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Moro afirma que Bolsonaro queria “apenas uma superintendência, a do Rio”

A investigação sobre a suposta interferência de Bolsonaro na PF começou em em abril de 2020, quando Moro acusou Bolsonaro de ter trocado o comando da PF para ter acesso a investigações. O estopim da saída do ex-ministro foi a demissão do delegado Maurício Valeixo, que havia sido escolhido por Moro para a direção-geral da corporação.

Moro prestou depoimento nesse inquérito já em maio do ano passado. Na ocasião, afirmou que Bolsonaro “pediu” a ele o controle da superintendência da PF no Rio de Janeiro, que tem apurações que esbarram no presidente e em sua família.

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Desde que o caso veio à tona, Bolsonaro tem negado qualquer intenção de interferir indevidamente na PF. O vídeo da reunião ministerial que culminou na demissão de Moro, citada pelo ex-ministro como evidência da ingerência de Bolsonaro, foi considerado inconclusivo.