Terminando suas férias em Alagoas após um longo período de trabalho(?), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) concedeu entrevistas a jornalistas reconhecendo que ‘pode sim’ ser preso a qualquer momento diante das investigações sobre sua tentativa de golpe. Mas segue insistindo que não cometeu crime algum.
Ao refutar que não participou de trama para executar, no final de 2022, o ministro do STF Alexandre de Moraes e a chapa recém eleita que o derrotou nas urnas, o agora presidente Lula (PT) e seu vice Geraldo Alckimin (PSB), disse o seguinte: “esquece, jamais. Dentro das quatro linhas não tem pena de morte”, afirmou o ex-presidente, que joga com as regras do jogo.
Ao menos é o que ele fala.
“Não cola isso daí. Não sou jurista, mas no meu entender nada foi iniciado. Não podemos começar a punir e querer punir crime de opinião, de pensamento”, declarou o ex-presidente, que segue a retórica de seu filho senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o 02 e primeiro a gritar aos quatro ventos que “pensar em matar não é crime”. Tecnicamente, ele está falando a verdade, mas isso nem vem ao caso.
Nunca se falou em indiciar criminalmente alguém por “pensar em matar”. A questão é colocar militares de alta patente, reunindo-se com o ainda presidente do País, para discutir o tema. São militares tramando um complô com equipamento que seria necessário (de veneno a lança-rojão), estimando perdas aceitáveis (pode morrer quem for, contanto que os alvos caiam junto).
Isto no mínimo é associação criminosa, a “formação de quadrilha” para o bem entendedor.
Imagine que você tenha, por algum motivo, uma rixa odiosa contra alguém. E você pensa não só em matar essa pessoa, como se reúne com pessoas com porte de arma e treinamento de guerrilha. E estudam a rota desta pessoa, avaliando o melhor momento para o ataque. Designa um local para cada um dos envolvidos, com codinomes, já que é uma atividade ilegal e você não quer ser identificado, e estão com as armas que comprou para executar o crime. Mas a morte não aconteceu porque seu inimigo saiu mais cedo do trabalho. A organização criminosa é descartada?
Antes que você responda, se coloque no lugar de Bolsonaro: você está chorando no banheiro, precisando ser consolado por Silas Malafaia ao telefone. Está crente que prometeu mundos e fundos em uma eleição que achava que ia ganhar na marra, mas perdeu no voto. Tentou impedir eleitores de votar no Nordeste, contratou hacker para tentar burlar a urna. Você não é um cidadão comum: é a porcaria do presidente envolvido em um complô para matar o presidente eleito e impedir que ele assuma.
É golpe.
Se Bolsonaro e sua trupe fossem em frente, óbvio, eu não poderia estar escrevendo isso já que a realidade do Brasil seria outra. Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes estariam mortos. Não teria como julgar o crime de golpe, pois ele estaria no comando. Ainda bem, não aconteceu, mas, surpresa, existe o Artigo 366 no Código Penal: “Tentar, o funcionário público civil ou militar, depor o governo constituído ou impedir o funcionamento das instituições constitucionais. Pena – reclusão, de quatro a doze anos”.
Se alguém consegue realizar um Golpe Militar nunca seria punido, logo, o Código Penal estabelece, desde 1940, que basta tentar para ser punido.
E Bolsonaro tentou.
Não importa se ele deu para trás ou arregou na Hora H, mas como presidente soube, viu e participou ativamente de tudo. Pode ter desistido por ter ficado com medo; por saber que viram ele roxo de tanto chorar e achado que perderia o respeito de seu entorno; por seu comandante do Exército afirmar que os militares não participariam de um golpe; ou por Joe Biden e americanos dizendo que era melhor nem inventarem em atentar contra a democracia.
Deu pra trás. Mas como presidente, começou tudo. E nunca falou nada sobre o caso desde então.
Ele inflamou uma legião de aloprados e desenganados a ficarem rezando para pneus na frente de quarteis, implorando para que o Exército realizasse o golpe. Colocaram na cabeça do gado a ideia de que “ladrão não sobe a rampa” e que era preciso que esperassem mais “72 horas” para algo acontecer. Hoje sabemos o que eles deveriam aguardar. Alguns já até acreditavam que Bolsonaro havia passado o governo para General Heleno e este impediria a subida da rampa.
Enquanto Lula e Alckmin eram diplomados do TSE pela vitória nas eleições, um bolsonarista chamado George Washington tentou explodir um caminhão de combustível no aeroporto de Brasília. Por sorte, teve menos sorte do que o infeliz que se explodiu sozinho na semana passada e afundou de vez as tratativas de “anistia” para os envolvidos no golpe – o que também era de interesse bolsonarista, afinal ele está inelegível em 2026.
A anistia nunca foi para o gado condenado após a invasão na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro, mas para perdoar antes de julgamento políticos, militares e outros agentes que atentaram contra a democracia. Mesmo Bolsonaro e seu entorno insistindo a todo momento que uma coisa não é outra. Ele até fugiu do Brasil para os Estados Unidos, antes do fim do mandato, já que os planos haviam falhado.
E insiste em desmentir, usando de retórica absurda, falando que “Estado de Sítio” não é Golpe.
Isso faz parte de sua semântica. Em sua vida pública, Bolsonaro é conhecido por suas “opiniões controversas”. E apoiadas por sua legião de fãs, que veem nele uma pessoa que “fala o que pensa e não se esconde com mentiras”, o que claramente dá pra interpretar que esses acham que “todo mundo pensa em coisa hedionda, mas só não fala por medo da justiça”. Aquela coisa, “cidadãos de bem”. Um mote que acaba sendo um dos pilares da semântica bolsonarista: “todo mundo pensa assim e apenas falar não é errado, nem crime e nem pecado”.
Não importa mais externar que seria melhor ter filho bandido/morto do que homossexual. Qual o problema em deturpar preconceituosamente característica de minorias? Qual o problema em dizer que tem mulher que não merece ser estuprada? O que há de errado em fazer acusações sem provas (ou pior, que já há provas do contrário)?
Ele está apenas “externando” uma frustração, um pensamento, uma colocação vinda do fundo de seu ser, lá no final da parte do tubo digestivo, através de um refluxo de provérbios de puro ódio, desinformação e burrice. “Mas todo mundo pensa assim”.
Chegamos num ponto em que há controvérsias diante de provas de que um presidente em exercício participou, de uma forma ou de outra, de planejamentos para assassinar o próximo presidente eleito. E os argumentos que tentam derrubar o óbvio não podem ser chamadas só de fakenews: são totalmente semântica bolsonarista.