
Condenados por tentativa de golpe de Estado nos ataques de 8 de janeiro e atualmente presos na Argentina, cinco brasileiros relataram ao UOL violações de direitos humanos nas unidades onde estão detidos. Eles afirmam sofrer com a falta de cuidados médicos, alimentação insuficiente, falta de higiene, sujeira e ameaças de morte feitas por outros presos.
Todos os cinco foram presos no Brasil, mas fugiram e pediram refúgio na Argentina, onde foram detidos novamente por ordem da Justiça local. O julgamento sobre seus pedidos deve ocorrer ainda neste mês.
Entre eles está o motoqueiro Wellington Luiz Firmino, 35, condenado a 17 anos no Brasil. Ele foi preso na Argentina em 18 de novembro, poucos dias depois de ironizar o pedido de extradição feito pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Firmino relatou as más condições que enfrentou nos 49 dias em que ficou detido na província de Jujuy, após tentar fugir para o Chile com outros brasileiros.
“Meus 49 dias preso foram mil vezes piores do que meus 11 meses na Papuda”, disse Firmino. Segundo ele, a cela era solitária, sem banheiro, com apenas um buraco no chão, e infestada de pernilongos. O banho era tomado com água escassa, usando uma caneca.
Em 6 de janeiro, Firmino foi transferido para o Complexo Penitenciário de Ezeiza, próximo a Buenos Aires, onde divide um espaço semelhante a uma casa com outros brasileiros: Joelton Gusmão, Joel Borges e Rodrigo Ramalho. O local possui dois quartos, sala, cozinha, TV e geladeira. Ainda assim, Firmino afirma que sofre com dores no braço direito, que teria sido lesionado em um acidente de moto, e que precisa de cirurgia. Ele alega que não consegue acesso ao atendimento médico.
Sem atendimento médico
Outro preso, o entregador Rodrigo Ramalho, contou que rompeu ligamentos e lesionou o menisco do joelho após uma queda na prisão. Em carta enviada em 21 de março à Asfav (Associação de Famílias de Investigados do 8 de Janeiro), ele disse estar há mais de um mês esperando por exames e atendimento ortopédico. Antes de chegar a Ezeiza, Ramalho ficou em uma delegacia em La Plata, onde relata ter passado 53 dias sem banho de sol, com alimentação precária e sem cuidados médicos.
O caminhoneiro Joel Borges, 46, também relatou ter ficado detido em condições insalubres, tomando banho apenas a cada cinco dias numa cela de 2 m x 1,40 m em San Luis, que descreveu como “uma casinha de cachorro”.
Já a analista de marketing Ana Paula de Souza, 36, relatou dores diárias nas mamas, resultado de uma cirurgia realizada em 2022 para retirada de nódulos benignos. Diagnosticada com tireoidite de Hashimoto, uma doença autoimune, ela afirma que não consegue fazer os exames necessários e que a penitenciária não permite atendimento médico nem mesmo se pago por sua família.
Ana Paula também denuncia ameaças de morte de outras detentas — uma delas, segundo ela, sob efeito de drogas. Após sofrer uma crise de pânico e desmaiar, ficou três dias no centro médico da prisão antes de ser transferida para outra ala.
Ela foi presa em 28 de novembro. A Justiça negou seu pedido de liberdade por considerar alto o risco de fuga. Sua defesa pretende recorrer, alegando que há perseguição política e que a extradição nesses casos é proibida pela legislação argentina.
O advogado Pedro Gradin, que representa Ana Paula e Joel Borges, diz que o sistema prisional argentino está colapsado. Segundo ele, há presos que esperam meses por consultas médicas, o que também é apontado pela Procuradoria Penitenciária Nacional da Argentina.
Falta de comida e rotina sem atividades
Firmino, Ramalho e Ana Paula também denunciam falta de alimentação adequada. Relatam que contam com doações de parentes e amigos para complementar a dieta. Em uma das refeições descritas, Firmino recebeu apenas macarrão com molho de tomate. Ramalho, um prato com ervilhas. Ana Paula cita porções mínimas, como “purê com um pedaço pequeno de frango” ou “uma salada com carne”.
Eles dizem que recebem apenas duas refeições por dia — almoço e jantar — e que o café da manhã consiste em chá mate. Também relatam que não têm permissão para trabalhar ou estudar, e que, por questões de saúde e desinteresse, não fazem atividades físicas. O único livro disponível seria uma Bíblia. Segundo Firmino, o grupo se distrai apenas assistindo a filmes na TV aberta.
Sem respostas das autoridades
Todos os condenados negam participação em tentativa de golpe. A Asfav alega que não houve golpe, apenas vandalismo, e afirma que nem todos os presos cometeram crimes patrimoniais.
O Serviço Penitenciário Federal da Argentina não respondeu aos questionamentos enviados pelo UOL, afirmando que apenas o Judiciário poderia se manifestar. A Procuradoria Penitenciária Nacional e a 3ª Vara Federal Criminal, responsável pelas prisões, também não se pronunciaram.