Por Cícero Omena
Sou um homem positivo, assistidor de televisão e olhador de imagens na Internet altamente gabaritado. Já vi tanta coisa nessa vida que nada mais me surpreende. Por isso não achei nem um pouquinho estranho quando um sujeito desconhecido liga pra meu celular e me faz uma proposta bastante justa e decente:
– Senhor Roberto?!
– Sou eu mesmo – respondi.
– É o senhor – inquiriu o desconhecido – o autor daquela teoria postada no Twitter de que Deus seria de direita e de que o livre arbítrio é a mão invisível que Ele encontrou para os humanos se autorregularem?
– Sim, sou eu mesmo. No que posso ser útil?
– Aqui quem fala é o chefe do Departamento de Disseminação de Desinformação do novo presidente – se apresentou por fim o desconhecido, sem dizer contudo seu nome, como é de se esperar de um departamento dessa natureza.
– No que posso ser útil? – repeti a pergunta
– Seu Roberto, nós estamos entrando em contato com o senhor porque precisamos da ajuda de sua mente criativa.
– Demorou – comentei baixinho com Napoleão, um grande amigo que sempre me acompanha. Quando vi as pessoas que estavam sendo escolhidas para os ministérios, tinha certeza de que logo, logo seria convidado pra alguma coisa, nem que fosse como jogador de búzios.
Em razão do assunto de tamanha envergadura, resolvi não falar ali mesmo no quarto, pois, como costumo dizer, os enfermeiros têm ouvidos! Achei por bem sair e passear no pomar que fica nos fundos da clínica. Pedir a meu interlocutor que esperasse um pouco e, quando estava em local seguro, perguntei:
– Pronto, agora podemos falar. Que tipo de ajuda Vossa Excelência quer de mim mesmo?!
– Na verdade, queremos lhe propor um emprego… um trabalho discreto, altamente especializado e de suma importância para o futuro de nosso país! – ressaltou e completou: – E nem preciso dizer que o senhor será muito bem remunerado para isso!
Essas últimas palavras me apeteceram bastante e despertaram minha libido. É, eu sei, cada um com suas taras. Empolgado, respondi:
– Tá oquei! – Respondi já tentando me ambientar na linguagem deles. Mas adverti: – Infelizmente, só não posso ser laranja de ninguém. Tenho alergia à vitamina C.
– Não, não… não é nada disso. Necessitamos do senhor para outra tarefa: coordenar nosso plano de articulação randômica de dados desconexos.
Ao ouvir a palavra “plano”, confesso que me decepcionei um pouco. Sempre pensei que o governo não planejava nada, era tudo de improviso. Mas o departamento recuperou o prestígio junto a mim e a Napoleão, porque não entendemos nadinha do que o homem falou no final da frase.
– E o que devo fazer exatamente? – perguntei, ainda com a promessa de sinecura atiçando minha fantasia!
– Você – explicou – ficará responsável por nossa segunda linha de defesa contra o que chamamos internamente de “inimigos esclarecidos”. Esses comunistas perigosos, que fazem uso de golpes baixos e informações verdadeiras para atacar nosso governo!
– Mas, pelo que sei – me atrevi a dizer – o governo já possui antídoto para neutralizar os estragos dessa arma de destruição de ilusão em massa!
– Sim, sim, claro… – confirmou ele – mas, segundo nosso astrólogo, essa estratégia não irá durar por muito tempo. Mais cedo ou mais tarde, nossos inimigos acabarão por despertar os que dormem.
Achei poética e meio filosófica a última frase dita pelo chefe. Aquilo certamente não condizia com a política do atual governo. Percebi que poderia haver algum intelectual infiltrado na equipe, um estranho no ninho, e vi claramente a urgência daquela missão!
– Oxe! – exclamei – Então é comigo mesmo. Você ligou pra pessoa certa. Estou à inteira disposição do governo para silenciarmos esses empatam sonos. E pra mostrar ainda mais meu alinhamento com a causa, arrematei:
– Confusão acima de tudo, desinformação acima de todos!
– Bravo! Muito bem – congratulou-me o sujeito do outro lado da linha. – Então – continuou ele – o negócio é o seguinte: precisamos contra-atacar, combater essas verdades ardilosamente atiradas contra nosso governo, mas tem que ser com alguma coisa bem mais potente que as fake news! As fakes estão perdendo o poder de fogo, entendeu?
– Entendi, entendi… – e antes que eu pudesse propor métodos tradicionais, como queimar livros e smartphones, Napoleão, que do alto de uma goiabeira sabe-se lá como acompanhava todo o diálogo, atalhou:
– Diz pra Sua Excelência que tudo será providenciado a contento. Iremos desenvolver um método especial para contrapor inverídicas teorias sobre as teorias inverídicas do governo. Controlaremos todo o processo dialético do começo ao fim, da tese à síntese, tá ligado?
Napoleão às vezes me surpreende com sua linguagem esquisita: “tá ligado”?!. Onde ele aprende essas coisas? Bem, o fato é que gostei da ideia e a transmiti da melhor forma possível a meu futuro patrão, que nesse momento já pensava que a ligação tinha caído:
– Alô, alô, alô…
– Alô – respondi – desculpe estava aqui trocando umas ideias com um amigo. Negócio é o seguinte – continuei tentando traduzir a ideia de Napoleão:
– Vamos fazer a fakenews da fakenews. Assim que o governo fizer alguma patacoada, sua atual tropa de choque inventa alguma coisa sem pé nem cabeça e lança nas redes sociais, defendendo o governo, como já ocorre.
Fiz uma pausa de suspense, dessas que a gente vê nos filmes e continuei:
– Aí, é nessa hora que a gente entra: os robôs, Napoleão e eu, dizendo que essa defesa feita ao governo é muito modesta, muito acanhada e que, pelo contrário, os méritos do governo são muito maiores e grandiosos; e que certamente deve haver comunista infiltrado na assessoria de comunicação tentando minimizar as boas ações e genialidade do presidente!
– Eh… bem, pra ser franco, parece meio confuso… não entendi nadinha do que você falou – admitiu meu interlocutor do outro lado da linha.
– Mas é esse nosso objetivo – respondi triunfante – confundir ainda mais a opinião pública!
– Fantástico! Gostei! Vou apresentar a proposta ao pessoal da equipe econômica, mas, desde já, se considere contratado. Até logo!
– Até logo – respondi. Depois olhei pra Napoleão, sorri e falei:
– Meu amigo, finalmente teremos alta!
(*Crônica encaminhada ao Blog pelo jornalista alagoano Cícero Omena)