23 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Médica diz que hoje internados em UTI por Covid são só idosos e jovens não vacinados

Alguns pacientes ainda cobram cloroquina e dizem que tomam ivermectina uma vez por semana

Em entrevista à Folha, a infectologista e intensivista Gabriela Diniz (33) diz quase não reconhece a ala de UTI (unidade de terapia intensiva) com pacientes com covid-19 no Hospital das Clínicas, em São Paulo.

Se no contrário do primeiro semestre, pico da pandemia de coronavírus no Brasil, havia muito mais leitos exclusivos para a doença, com adultos de todas as idades, hoje o perfil é outro.

A UTI do maior complexo hospitalar da América Latina segue a tendência do estado e do Brasil, com menos leitos disponíveis para covid, ocupados, em sua maioria, por pessoas dos chamados grupos de risco. Mas um grupo tem furado essa “bolha”: jovens e adultos que não se vacinaram.

“Na UTI, com covid, o que a gente tem, basicamente, são pacientes mais velhos com fator de risco, como alguma comorbidade, transplantados imunossuprimidos –que, mesmo com a vacina, têm desfecho muito pior– e os não vacinados. Infelizmente, eles ainda existem”. Gabriela Diniz, infectologista e intensivista do HC-SP.

Com 77% da população vacinada, São Paulo é o estado que mais vacina no país e vê os registros de casos e mortes em níveis próximos aos do começo da pandemia. Na última quinta-feira (9), a média móvel diária estava em 61 óbitos e com menos de 1.000 novas notificações por dia, números semelhantes a abril de 2020.

“Recentemente, tivemos um caso em que a família inteira se vacinou, mas o paciente —um médico—, não. Ele dizia que não ia pegar porque trabalhou em UTI, na linha de frente no ano passado e estava imune. A filha ficou sintomática, a família inteira ficou bem e ele acabou internado. Ele ficou bem? Ficou, não foi invadido. Mas era um homem jovem, atleta e ficou aqui, sozinho, vendo os outros serem intubados, sem saber se ele seria o próximo. Enquanto isso, quem se vacinou teve sintomas leves, como os da gripe”. Gabriela Diniz.

O complexo hospitalar entrou em colapso em março. Chegou a destinar todos seus 900 leitos — 300 de UTI — para o combate à doença em 2020. Agora, por falta de demanda, tem 255 leitos destinados a pacientes covid, 115 de UTI. Até a última quinta (9), a taxa de ocupação da enfermaria 17,8% e da UTI, 21,7%.

Nos relatos dos pacientes, dois vilões se destacam entre os motivos de não vacinação: as fake news relacionadas aos imunizantes e a propagação de tratamentos alternativos de ineficácia já comprovada, como kit covid com ivermectina — ambos amplamente difundidos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores.

“Alguns pacientes ainda cobram cloroquina, dizem que tomam ivermectina uma vez por semana, mas tem sido cada vez mais raro. No SUS [Sistema Único de Saúde], isso quase nunca acontece. Sobre a vacina, infelizmente ainda falam que é um tratamento experimental e eles não vão ser cobaias. E também rebatem dizendo que há muitos estudos sobre ivermectina”. Gabriela Diniz.