24 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Artigo

Na primeira entrevista, um foca em apuros na sede do Produban

Ou a auto entrevista de Lincoln Cavalcante para o “repórter” Marcelo

Ilustração de Marcos Spinassé

Lá no fim dos anos 70, no pleno regime militar,  meu primeiro emprego foi na Rádio Difusora. Um foca do jornalismo, verde e aprendendo conhecer a vida em um regime de exceção.

Cobria notícias do Pronto Socorro: Só bagaceira.

Eis que descobriram que eu não era tão ruim na escrita.

O jornalista conterrâneo Manoel Alves Feitosa, chefe de Reportagem, (irmão de José Feitosa-Zé da Feira) sugeriu ao diretor de Redação, Adelmo dos Santos, que me mandasse cumprir outras pautas. Assim, passou-me uma pauta de economia.

-Vais entrevistar o presidente do Produban (Banco do Estado de Alagoas), Lincoln Cavalcante.

Feitosa, de saudosa memória, entregou-me a pauta com um arrazoado da economia nacional, na ótica dele. Deu-me um gravador maior que um tijolo e me deixou como referência 3 perguntas:

1)O economista Celso Furtado está questionando essa história do “milagre brasileiro. Segundo ele, o Brasil ainda vai revelar o desastre econômico. O que senhor diz, como presidente do banco?

2)Furtado ainda diz que o problema maior do Brasil é o privilégio do governo para os ricos e a perversa concentração de renda? O senhor concorda?

3)O senador Alceu Colares disse que está na hora do povo brasileiro ir às ruas e lutar pela abertura democrática. Democracia é o caminho?

Cheguei no banco e fui recebido no sexto andar por uma secretária bonita que me enviou para a Assessoria de Imprensa.

O assessor era o Juarez Ferreira, ex-repórter do Jornal do Brasil, advogado e depois promotor público. Ele me acolheu com uma delicadeza impressionante. Descobriu obviamente que eu era foca, ainda sem noção.

Juarez me leva a um gabinete com uma longa mesa. Cerca de 12 cadeiras de cada lado. Chega o presidente, senta na cabeceira, e eu sou apresentado como o repórter da Rádio de Difusora. O Rádio era tudo na época.

Prontamente, o “entrevistado”: -Estão renovando lá, botando uma meninada…

-Renovação é importante. -Disse Juarez.

Dito isto, o presidente olha pra mim e diz: “Vamos meu jovem repórter, me pergunte”.

Aquele nome “repórter” já me deixou assustado.

Mas, peguei o papel e li a primeira. Ele olhou para mim por cima dos óculos e disse:

-Essa não. Faça outra.

Eu emendei a segunda. Ele olhou para o Juarez e falou:

– O que é isso?

E, ato contínuo: – Não vou responder isso não, meu jovem. Tem outra?

Quando comecei a terceira que falei em Alceu Colares (um ícone da oposição) ele não se conteve:

– Chega. Dê esse gravador aqui.

Eu, acanhado passei o gravador e ele começou a se entrevistar:

Pergunta-me o repórter Marcelo como está a situação do Produban nesse histórico momento da economia…

E foi por aí. Depois que falou o que quis disse-me:

-Não se preocupe. Eu vou ligar para o diretor da Rádio lhe elogiando.

Volto constrangido para a redação.

-E aí boa a entrevista? – Perguntou-me o chefe.

-Não houve entrevista, mas ele fez uma gravação aí.

A redação inteira ouviu.  Paulo Cesar Pantaleão (locutor noticiarista, a mais bela voz da época) deu gargalhada e falou pra mim: -Muito boa estreia!

Feitosa, meio hippie, bravo defensor da liberdade de imprensa, esculachou. Eu não… O homem que seria entrevistado.

Devidamente recomendada, a rádio colocou no ar, integralmente, a auto entrevista do presidente do Produban.

Mas, além de mandatário do Banco do Estado, Lincoln Cavalcante era também o presidente da Adesg – Associação dos Executivos e Diplomados da Escola Superior de Guerra.

Ou seja, uma entidade doutrinada pelo comando militar do País.

E eu? Pequenininho, recém saído de Paulo Jacinto… Onde fui me meter?

 

 

3 Comments

  • Avatar Fátima Almeida

    Kkkkk. Na segunda pergunta, eu já dei risada, por aqui imaginando a situação: Ih, ferrou!
    Bom lembrar essas histórias que marcaram nossa trajetória, Marcelo. E bom ver seu texto ilustrado pelo querido Spinassé.

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