Lá no fim dos anos 70, no pleno regime militar, meu primeiro emprego foi na Rádio Difusora. Um foca do jornalismo, verde e aprendendo conhecer a vida em um regime de exceção.
Cobria notícias do Pronto Socorro: Só bagaceira.
Eis que descobriram que eu não era tão ruim na escrita.
O jornalista conterrâneo Manoel Alves Feitosa, chefe de Reportagem, (irmão de José Feitosa-Zé da Feira) sugeriu ao diretor de Redação, Adelmo dos Santos, que me mandasse cumprir outras pautas. Assim, passou-me uma pauta de economia.
-Vais entrevistar o presidente do Produban (Banco do Estado de Alagoas), Lincoln Cavalcante.
Feitosa, de saudosa memória, entregou-me a pauta com um arrazoado da economia nacional, na ótica dele. Deu-me um gravador maior que um tijolo e me deixou como referência 3 perguntas:
1)O economista Celso Furtado está questionando essa história do “milagre brasileiro. Segundo ele, o Brasil ainda vai revelar o desastre econômico. O que senhor diz, como presidente do banco?
2)Furtado ainda diz que o problema maior do Brasil é o privilégio do governo para os ricos e a perversa concentração de renda? O senhor concorda?
3)O senador Alceu Colares disse que está na hora do povo brasileiro ir às ruas e lutar pela abertura democrática. Democracia é o caminho?
Cheguei no banco e fui recebido no sexto andar por uma secretária bonita que me enviou para a Assessoria de Imprensa.
O assessor era o Juarez Ferreira, ex-repórter do Jornal do Brasil, advogado e depois promotor público. Ele me acolheu com uma delicadeza impressionante. Descobriu obviamente que eu era foca, ainda sem noção.
Juarez me leva a um gabinete com uma longa mesa. Cerca de 12 cadeiras de cada lado. Chega o presidente, senta na cabeceira, e eu sou apresentado como o repórter da Rádio de Difusora. O Rádio era tudo na época.
Prontamente, o “entrevistado”: -Estão renovando lá, botando uma meninada…
-Renovação é importante. -Disse Juarez.
Dito isto, o presidente olha pra mim e diz: “Vamos meu jovem repórter, me pergunte”.
Aquele nome “repórter” já me deixou assustado.
Mas, peguei o papel e li a primeira. Ele olhou para mim por cima dos óculos e disse:
-Essa não. Faça outra.
Eu emendei a segunda. Ele olhou para o Juarez e falou:
– O que é isso?
E, ato contínuo: – Não vou responder isso não, meu jovem. Tem outra?
Quando comecei a terceira que falei em Alceu Colares (um ícone da oposição) ele não se conteve:
– Chega. Dê esse gravador aqui.
Eu, acanhado passei o gravador e ele começou a se entrevistar:
–Pergunta-me o repórter Marcelo como está a situação do Produban nesse histórico momento da economia…
E foi por aí. Depois que falou o que quis disse-me:
-Não se preocupe. Eu vou ligar para o diretor da Rádio lhe elogiando.
Volto constrangido para a redação.
-E aí boa a entrevista? – Perguntou-me o chefe.
-Não houve entrevista, mas ele fez uma gravação aí.
A redação inteira ouviu. Paulo Cesar Pantaleão (locutor noticiarista, a mais bela voz da época) deu gargalhada e falou pra mim: -Muito boa estreia!
Feitosa, meio hippie, bravo defensor da liberdade de imprensa, esculachou. Eu não… O homem que seria entrevistado.
Devidamente recomendada, a rádio colocou no ar, integralmente, a auto entrevista do presidente do Produban.
Mas, além de mandatário do Banco do Estado, Lincoln Cavalcante era também o presidente da Adesg – Associação dos Executivos e Diplomados da Escola Superior de Guerra.
Ou seja, uma entidade doutrinada pelo comando militar do País.
E eu? Pequenininho, recém saído de Paulo Jacinto… Onde fui me meter?
Kkkkk. Na segunda pergunta, eu já dei risada, por aqui imaginando a situação: Ih, ferrou!
Bom lembrar essas histórias que marcaram nossa trajetória, Marcelo. E bom ver seu texto ilustrado pelo querido Spinassé.
De Foca à Jornalista de Multiplataformas, parabéns pelo profissional que és, Marcelo Firmino.
É muito bom poder Ilustra de novo!
Grato Marcelo!