Uma das faces cruéis da era Coronavirus, além, é claro, do alto índice de morbidade e do caráter isolacionista da doença, tem sido os conflitos de convivência doméstica, revelados, principalmente, no aumento dos índices de violência contra a mulher em vários estados brasileiros, inclusive Alagoas.
A Justiça estadual já concedeu, entre o início dos meses de janeiro e maio deste ano, cerca de 250 medidas protetivas para mulheres vítimas de violência doméstica, e o maior impulso desse crescimento ocorreu após o início da quarentena. Até a terça-feira passada (5), Assessoria de Planejamento e Modernização do Poder Judiciário de Alagoas contabilizava 233 medidas concedidas – e essa média de quase duas por dia, registrada nos quatro primeiros meses de 2020, vem se mantendo nos últimos sete dias, segundo o juiz José Miranda dos Santos Junior, auxiliar do Juizado da Mulher da Capital alagoana,
Essa conta inclui medidas de proteção concedidas total ou parcialmente, por 26 unidades judiciárias do estado. E representa, segundo o juiz, um aumento de aproximadamente 20% em relação ao mesmo período do ano passado.
O que está acontecendo?
Qual o motivo desse crescimento? Efeito do confinamento doméstico vivido na quarentena do Coronavírus ou consequência de uma maior conscientização da mulher em procurar sua defesa e denunciar os casos de agressão?
As duas coisas, segundo a avaliação do juiz José Miranda.
É fato que o confinamento dentro de casa, durante semanas seguidas, dividindo o mesmo espaço, comportamentos e divergências em tempo integral, acaba por gerar alguns conflitos domésticos a mais do que em situações normais. Junte-se a isso o estresse por causa da própria tensão gerada pela pandemia. Mas é claro que isso não justifica. Na verdade, a violência doméstica só emerge de uma condição como essa, se na verdade já existe, no núcleo familiar, um ser violento, que dentro de casa com a família, ganha mais tempo e espaço para dar vasão à agressividade, avalia ele.
Por outro lado, campanhas de apoio e conscientização social têm ampliado a percepção de uma estrutura de apoio que, aliada à rapidez com que as medidas protetivas têm acontecido, dão mais confiança à mulher (principal vítima da violência doméstica) no enfrentamento do problema, encorajando a denúncia e a busca de proteção. Aí, os casos aparecem em maior dimensão.
“A gente sabe que a violência dentro de casa existe, silenciosa; que só se for exposta pela vítima vai aparecer. Tem tido uma exposição, uma maior notificação dessas questões. É um lado positivo: As mulheres estão usando a lei para se prevenir e para combater a violência que estão sofrendo”, diz o juiz José Miranda.
O magistrado lembra também que antes da estruturação da rede especial de apoio, as denúncias de violência doméstica acabavam se misturando a outras generalizadas, confundindo os números e atrapalhando o processo de atendimento. Na realidade atual, com o atendimento especializado, segundo ele, essas medidas protetivas têm sido concedidas com mais rapidez, num espaço médio de 24 horas. Nesta segunda-feira (11), quando conversamos por telefone, havia apenas três solicitações aguardando atendimento. Tinham chegado no final de semana.
“Hoje dispomos de uma rede mais estruturada, que envolve a Lei Maria da Penha, com ações do Ministério Público, Defensoria Pública, uma comissão forte na OAB, a Patrulha Maria da Penha (constituída por policiais militares e guardas municipais treinados), Secretaria da Mulher e outras instituições compondo toda uma rede de acolhimento; tudo isso associado à resposta do Judiciário, que tem sido célere na concessão de medidas protetivas, proporciona mais confiança às vítimas”, observa ele.
Infelizmente essa realidade ainda é precária no interior do Estado, onde a cultura do machismo é mais enraizada, gerando violência em maior proporção. Apenas no município de Arapiraca tem juizado especial da mulher, e as delegacias especializadas também só estão implantadas nesses dois municípios. A Patrulha Maria da Penha, por enquanto, só está ativa em Maceió, Arapiraca e Delmiro Gouveia.
Aspectos da violência
Diz-se que em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher. Mas há controvérsia. O juiz José Miranda ressalva que, em casos de violência contra a mulher, tem que meter a colher, sim. “Qualquer pessoa pode denunciar, mesmo que anonimamente, para que seja garantida a proteção e segurança da vítima, o mais rápido possível”. Para isso, é necessário estar atento a qualquer sinal.
Geralmente a violência doméstica começa com uma ofensa moral, uma injúria; avança para uma ameaça e acaba se concretizando em violência física; lesão corporal. Em qualquer desses casos, o conselho do juiz é não aceitar a violência como fato comum; não se deixar dominar pelo medo; ter coragem de enfrentar o problema, de maneira prudente, mas firme; afastar-se do agressor (se preciso, sair de casa); procurar proteção e denunciar.
Como fazer isso? Em situação normal, a vítima poderá ir até uma delegacia ou órgão de proteção, como a Defensoria Pública, relatar a agressão sofrida. A ocorrência, com a solicitação de medida protetiva é encaminhada imediatamente à Justiça para que seja concedida em até 48 horas. Mas há também uma série de outros canais disponíveis, que podem ser usados, a qualquer momento, inclusive em tempos de pandemia, para pedir ajuda. Veja a seguir:
Discagem para o número 180, disque-denúncia 100 ou para o 190 da Polícia Militar; ligar para a Central de Atendimento à Mulher Vítima de Violência – (82) 3315-1740; acionar a Defensoria Pública pelo Whatsapp – 98833-2914 – ou pelo email defensoria.nudem.2006@gmail; Superitendência de Políticas para a Mulher – 98833.9078; delegacias de Defesa da Mulher: Maceió-Centro – 3315-4976, Maceió- Salvador Lyra – 3315-4327 e Arapiraca – 3521-6318; Juizado de Violência Doméstica e Familiar – 98833-2914; e/ou Comissão da Mulher da OAB/AL – 99104-7116.
O importante, como recomenda a campanha desencadeada pela Coordenadoria da Mulher do Judiciário Alagoano, por meio da Diretoria de Comunicação, é que você não se cale, e que tenha consciência de que o silêncio não protege.
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