
A pauta ambiental sofreu uma série de derrotas na noite desta quarta-feira (24) no Congresso Nacional, algumas delas com aval (ou omissão) do governo Lula. A boiada que passou incomodou as ministras Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas, e Marina Silva, do Meio Ambiente – essa última que vem enfrentando uma série de obstáculos e com críticas constantes, periga não durar muito no governo.
Se a Amazônia ultrapassar os 20% de desmatamento, ela entra em ponto de não retorno, em processo de savanização! Eu não quero destruir recursos de milhares de anos pelo lucro de poucas décadas.#MarinaNaCâmara
— Marina Silva (@MarinaSilva) May 24, 2023
Reestruturação
A primeira das derrotas, e mais simbólica para Marina, foi com uma comissão mista aprovando Medida Provisória 1154/23, por 15 votos a 3, o projeto de lei do deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL) que altera a organização dos ministérios.
“Eu ouvi os deputados, os senadores e as lideranças partidárias e, mesmo não saindo o texto ideal, acho que foi o melhor possível”. Isnaldo Bulhões Jr (MDB-AL).
Conforme o texto aprovado, o Ministério da Justiça e Segurança Pública voltará a responder pelo reconhecimento e pela demarcação de terras indígenas. A gestão Lula havia alocado essas atribuições no Ministério dos Povos Indígenas, criado em janeiro.
Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, declarou que há uma “certa frustração” com o presidente Lula (PT) pelo pouco empenho do presidente na discussão da MP (medida provisória) que pode retirar dos ministérios dos Povos Indígenas e do Meio Ambiente pautas importantes, como a demarcação de terras indígenas.
Em entrevista ao Globo News, a ministra dos Povos Indígenas lembrou que o presidente se comprometeu com a área durante a campanha, mas lamentou a pressão da bancada ruralista no Congresso que, segundo ela, tenta enfraquecer as pautas do governo atual.
Guajajara afirmou ainda que decisão da comissão mista é embasada por “machismo”, “racismo” e “misoginia” ao citar que “foram afetados dois ministérios com duas mulheres sendo atacadas de forma brutal” no Congresso Nacional.
“Não posso negar que há, sim, uma certa frustração. Até porque o presidente Lula se comprometeu durante a campanha, prometeu ministério, cumpriu, e esse ano se posicionou fortemente com esse protagonismo dos povos indígenas e a retomada da demarcação dos territórios. Sei que a bancada ruralista está muito articulada. Acho que o presidente Lula poderia ter entrado um pouquinho mais para impedir essa retirada do Ministério dos Povos Indígenas”. Sonia Guajajara, ministra dos dos Povos Indígenas.
No congresso, a deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) protestou contra essa alteração. “Acredito que toda discussão no Ministério dos Povos Indígenas é uma pauta humanitária”
“Não existirá possibilidade de barrarmos as mudanças climáticas se não respaldarmos, como democracia, a demarcação dos territórios indígenas”. Célia Xakriabá (Psol-MG).
Já o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, pelo texto aprovado, deixará de ter algumas atribuições. O Cadastro Ambiental Rural (CAR), que no governo Bolsonaro saiu do Meio Ambiente e passou para a Agricultura, agora estará vinculado ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
Os sistemas de saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos, hoje no Meio Ambiente, vão para o Ministério das Cidades, que, no saneamento, atuará inclusive em terras indígenas. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) será integrada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
Votaram contra o texto o deputado Zé Trovão (PL-SC) e os senadores Eduardo Girão (Novo-CE) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Até mesmo o Kim Kataguiri (União-SP), do Movimento Brasil Livre e de forte oposição à Lula, declarou posição contrária ao parecer do relator por causa das alterações no Ministério do Meio Ambiente.
“Esvaziar o ministério é uma questão institucional, e essas mudanças serão prejudiciais, mesmo que eu discorde veementemente da ministra Marina Silva”. Kim Kataguiri (União-SP).
Essa mudança atingiu em cheio a pasta de Marina Silva, escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sinalizar à comunidade internacional o compromisso com uma gestão sustentável e a defesa do clima.
Regularização e Mata Atlântica
Horas depois, a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 1150/22, que muda o prazo para o proprietário ou posseiro de imóveis rurais fazer sua adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Os deputados, assim, ignoram a decisão do Senado e retomam trechos de uma MP que enfraquecem regras de proteção da Mata Atlântica. O texto será enviada à sanção presidencial.
Segundo especialistas, os dispositivos, na prática, facilitam o desmatamento do bioma. O texto foi aprovado no fim de março e retornou à votação da Câmara após mudanças feitas pelos senadores.
Inicialmente, a medida provisória editada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro tratava apenas da prorrogação para que imóveis rurais aderissem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Mas na primeira votação, a Câmara decidiu incluir alterações na Lei da Mata Atlântica.
Resumindo o que MP 1150/2022 define:
- Flexibiliza o desmatamento de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração;
- Acaba com a necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação no estágio médio de regeneração em área urbana;
- Acaba com a exigência de medidas compensatórias para a supressão de vegetação fora das áreas de preservação permanente em construções;
- Acaba com a necessidade de estudo prévio de impacto ambiental e da coleta e transporte de animais silvestres.
Marco temporal na demarcação de terras indígenas
Também foi aprovado, na Câmara, por 324 votos a favor e 131 contra, o requerimento de urgência para o projeto de lei do marco temporal na demarcação de terras indígenas (PL 490/07). O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que colocará o projeto em votação na próxima semana.
O projeto, na forma do substitutivo do deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), restringe a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição federal.
Para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente, deverá ser comprovado objetivamente que elas, na data de promulgação da Constituição, eram, ao mesmo tempo, habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.
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A votação da urgência gerou embates em Plenário e tumulto entre os deputados. Com o resultado da votação, a bancada do agro gritou para comemorar. Deputados da bancada indígena começaram a gritar “assassinos, assassinos”.
Se para o deputado Zé Trovão (PL-SC) a proposta vai diminuir os conflitos no campo, a oposição, na tribuna de parlamentares com cartazes contrários ao projeto, era liderada pela deputada Célia Xakriabá (Psol-MG).
Ela afirmou que a votação do marco temporal é um retrocesso, invade tema já em discussão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e viola direitos dos povos originários.
“A caneta tem assassinado os nossos direitos. Não se trata de uma pauta partidária, mas humanitária”, afirmou. A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) criticou a votação da urgência. “Essa pauta pode trazer gravíssimos retrocessos a direitos e conquistas por povos historicamente discriminados”, ressaltou.
Vale constar que o Supremo retomará o julgamento do marco temporal em 7 de junho. A votação havia sido suspensa por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes e o placar está empatado na Corte.
O relator, ministro Edson Fachin, votou contra o marco temporal. O ministro Nunes Marques proferiu voto em favor do projeto. Conforme destacado por Arthur Lira, a Câmara quer se antecipar ao STF, mas se passar pelo plenário da Casa, o texto ainda deve ir à votação no Senado.
O governo do presidente Lula já se manifestou em contrariedade ao marco temporal. A Federação PT-PCdoB-PV e PSOL-Rede orientaram de maneira contrária ao projeto.
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Centrão
A redução de poder das pautas ambientais podem ser vistas como retaliação à decisão do Ibama de rejeitar pedido da Petrobras para prospecção na costa do Amapá – apoiada por Marina Silva. Além disso, demonstra que o centrão de Lira é quem segue mandando.
