28 de março de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Pobreza nas metrópoles do País bate recorde e atinge 20 milhões de pessoas

É o maior nível atingido no Brasil de uma série histórica de 10 anos

Pobreza cresce nas regiões metropolitanas do País, segundo dados de pesquisa

Com o corte do auxílio emergencial, a disparada da inflação e a retomada insuficiente do mercado de trabalho, o número de pessoas em situação de pobreza saltou para 19,8 milhões nas metrópoles brasileiras em 2021.

É o maior nível de uma série histórica de dez anos, iniciada em 2012, aponta o 9º Boletim Desigualdade nas Metrópoles. O estudo analisa estatísticas das 22 principais áreas metropolitanas do país.

Ao chegar a 19,8 milhões, o número de pobres passou a representar 23,7% –quase um quarto– da população total dessas regiões.

O percentual também é, com folga, o maior da série histórica. Até então, a porcentagem nunca havia alcançado 20%.

O grupo em situação de pobreza teve acréscimo de 3,8 milhões de pessoas na comparação com 2020, quando estava em cerca de 16 milhões.

O avanço equivale a praticamente o dobro da população total estimada para uma cidade como Curitiba –quase 2 milhões de habitantes.

O boletim é produzido em uma parceria entre PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Observatório das Metrópoles e RedODSAL (Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina).

A nova edição utiliza dados da Pnad Contínua com recorte anual. Essa versão da Pnad, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), vai além do mercado de trabalho e também contempla outras fontes de renda, incluindo programas sociais.

“A crise já vinha se desenhando. Estávamos em uma maré muito ruim. Em cima disso, veio a pandemia”, afirma André Salata, professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUCRS e um dos coordenadores do boletim.

Sem mercado de trabalho, famílias passam por necessidades no País inteiro

Inflação é um dos vilões

O salto da pobreza em 2021, dizem os pesquisadores, pode ser associado a pelo menos três fatores: recuperação incompleta do mercado de trabalho, disparada da inflação e retirada abrupta do auxílio emergencial no início do ano passado. O benefício até foi retomado na sequência, mas com público e valores reduzidos.

“Isso [mudanças no auxílio] fez os indicadores de pobreza darem um salto”, diz Salata.

“Em 2021, tivemos ainda o efeito inflacionário”, lembra Marcelo Ribeiro, pesquisador do Observatório das Metrópoles e professor do IPPUR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ), que também é coordenador do estudo.

“As pessoas voltaram ao trabalho, estimuladas pelo avanço da vacinação. Mas essa retomada não foi suficiente para recuperar a renda do período anterior à pandemia. Tudo isso contribuiu para as perdas, sobretudo dos mais pobres”, completa Ribeiro.

O boletim utiliza critérios do Banco Mundial para definir os parâmetros de pobreza e pobreza extrema.

Em valores médios de 2021, convertidos em reais, a linha de pobreza foi de aproximadamente R$ 465 per capita (por pessoa) por mês, enquanto a de pobreza extrema ficou em cerca de R$ 160 per capita por mês.

Na prática, moradores de domicílios cuja renda por pessoa esteve abaixo desses patamares foram classificados pelo estudo como pobres ou extremamente pobres.

Recorde nas regiões metropolitanas

O boletim mostra que o segundo grupo também bateu recorde em 2021. O contingente de pessoas em pobreza extrema chegou a 5,3 milhões nas regiões metropolitanas no ano passado. A marca representa 6,3% da população.

Houve acréscimo de 1,6 milhão de pessoas em situação de pobreza extrema ante 2020, quando o contingente era de 3,7 milhões. O avanço anual supera a população de uma capital como Porto Alegre (1,5 milhão).

As regiões metropolitanas com as maiores taxas de pobreza em 2021 foram Manaus (41,8%) e Grande São Luís (40,1%), as duas únicas acima de 40%. Já os locais com os menores resultados foram Florianópolis (9,9%) e Porto Alegre (11,4%).

No caso da pobreza extrema, Recife (13%) e Salvador (12,2%) registraram os percentuais mais elevados. Florianópolis (1,3%) e Cuiabá (2,4%) apareceram na outra ponta, com os índices mais baixos.

SALTO EM SÃO PAULO

Os responsáveis pelo estudo ainda chamam atenção para o caso de São Paulo, já que se trata da maior metrópole do país.

De 2014 para 2021, período com registro de turbulências na economia, o número local de pobres quase dobrou, passando de cerca de 2 milhões para 3,9 milhões. A taxa de pobreza na região metropolitana pulou de 9,5% para 17,8% no mesmo intervalo.

Já o grupo em pobreza extrema em São Paulo saltou de 381,4 mil em 2014 para 1,03 milhão em 2021. A taxa aumentou de 1,8% para 4,7% da população total.

“O número de pessoas em pobreza extrema em São Paulo é assustador. Chegou a mais de 1 milhão. Em 2014, era de menos de 400 mil. Claro, a população está aumentando, mas é um salto muito grande. Exemplifica a crise social”, avalia Salata.

“No Rio de Janeiro, o número de pessoas em extrema pobreza também é de quase 1 milhão [subiu de 336,1 mil em 2014 para 926,8 mil em 2021]. É como se tivéssemos uma metrópole extremamente pobre dentro de São Paulo ou Rio”, compara Ribeiro.

Geysa de Oliveira Glória, 31, sentiu o impacto da crise. A moradora de Heliópolis, periferia de São Paulo, está sem emprego formal desde 2020, quando perdeu uma vaga em uma cozinha de uma escola.

“Está muito complicado devido à falta de trabalho, e tudo está caro”, lamenta Geysa, que vive com o marido, o filho e a sogra.

Segundo ela, o sustento do lar nos últimos meses veio do seguro-desemprego do companheiro, de bicos esporádicos e de doações. Geysa quer apostar na produção e venda de bolos e doces, atividade em que já tem experiência.

“Meu desejo é ter meu mercado para trabalhar. Gosto do que faço, dos meus doces e bolos”, diz. “Já consegui ajudar muitas pessoas, hoje não consigo. Isso dói”, completa. (Por Leonardo Vieceli-RJ)