O Supremo Tribunal Federal deve iniciar hoje (24) o julgamento de quatro ações contra o novo marco legal do saneamento, aprovado em 2020 com o objetivo de estimular a participação da iniciativa privada nos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto no país.
A licitação pública dos serviços da estatal Casal (Cia de Abastecimento e Saneamento do Estado de Alagoas) foi considerada a primeira após o marco civil do saneamento básico. Vencedora, a BRK passou a operar nas treze cidades da região metropolitana de Maceió em 1º de julho deste ano.
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As ações foram apresentadas por PT, PCdoB, Psol, PSB, PDT, pela Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) e pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe).
O relator é o presidente do STF, Luiz Fux. Em agosto do ano passado, mês seguinte à sanção da lei, o ministro negou um pedido de liminar do PDT para suspender as mudanças.
Na época, ele citou números “vergonhosos” do “cenário lastimável” de acesso da população aos serviços: mais de 35 milhões de brasileiros sem água tratada e mais de 100 milhões sem coleta de esgoto. “A manutenção do status quo perpetua a violação à dignidade de milhares de brasileiros e a fruição de diversos direitos fundamentais”, escreveu o ministro na decisão.
Agora, as ações serão analisadas pelos atuais dez integrantes do Supremo. Dentro do tribunal, auxiliares preveem placar de 6 a 4 ou 7 a 3 a favor da manutenção das mudanças.
Os lados
Nas ações apresentadas pela oposição, o principal argumento é de que a privatização do setor pode deixar desatendidos municípios pobres, regiões agrícolas ou de periferias das grandes cidades que não atraiam empresas em busca de lucro. Nesse sentido, comunidades em situação de miséria continuariam sem água limpa e com esgoto a céu aberto.
Os partidos dizem que, pela legislação anterior, cidades assim podiam entrar em consórcio com outras mais ricas, de modo que uma mesma estatal, em geral pertencente ao Estado, fornecesse os serviços para todas. O lucro obtido nas umas compensaria o prejuízo das outras.
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Já a Aesbe, associação de 24 estatais estaduais que atendem a mais de 4 mil municípios, onde vive uma população de 132 milhões de pessoas.
Ela admitiu que só 84% delas têm acesso a água tratada e 46% ao tratamento de esgoto, mesmo com R$ 12 bilhões investidos anualmente no setor. Mesmo assim, disse que a adoção do novo modelo privado, com licitação, vai dificultar a manutenção de suas atividades e o atendimento a regiões mais pobres.
As empresas privadas, por sua vez, argumentaram que a nova lei reconheceu que o setor público não é eficiente para suprir a demanda.
A Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) citou recentes leilões para concessão em Maceió (Alagoas), Cariacica (Espírito Santo) e parcerias público-privadas no Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Amapá, que preveem investimentos de R$ 37,7 bilhões para ampliação da rede, fora R$ 25 bilhões pagos aos governos para a outorga dos serviços.
BRK na Grande Maceió
No início deste mês, o ministro Edson Fachin bloqueou acesso do governo do Estado de Alagoas a metade dos R$2 bilhões pagos pela BRK pela outorga dos serviços no contrato de concessão com a BRK Ambiental.
Isso porque ele deferiu parcialmente uma medida cautelar do PSB de Alagoas, do prefeito JHC, para bloquear a utilização de metade dos recursos, depois do ministro Gilmar Mendes pedir vistas e suspender o julgamento.
“Ante o exposto, defiro parcialmente a cautelar, ad referendum do Plenário, para determinar ao Estado de Alagoas que deixe de movimentar numerário referente a cinquenta por cento dos valores obtidos com o Contrato de Concessão firmado entre o Estado de Alagoas e a BRK Ambiental, empresa vencedora da concorrência pública 009/202. Apresento imediatamente o referendo da medida cautelar à sistemática do Plenário Virtual”. Trecho da decisão do ministro Edson Fachin.
Ele também citou que o governador Renan Filho manifestou-se nos autos para impugnar o pedido feito pelo PSB. O Governo de Alagoas e Prefeitura de Maceió, inclusive, já trocaram farpas publicamente por causa desta quantia.
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A previsão de investimento da BRK é de um total de R$2,6 bilhões, com geração de mais de 2 mil empregos. E com meta de, em seis anos, alcançar 100% da população toda região metropolitana da capital com acesso a água tratada.
Além do pedido do PSB, correu no STF uma ação do PP com a mesma finalidade. O prefeito da Barra de São Miguel, Benedito de Lira, é filiado ao PP, e a cidade é uma das afetadas.
Presidente do Congresso, presidente da Câmara e filho do prefeito de Barra de São Miguel, Arthur lira (PP) tentou impedir que o Estado de Alagoas não ficasse com os bilhões de reais pagos pela empresa BRK Ambiental.
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Claro, seria de interesse de Lira, e dos prefeitos do PP e alinhados ao centrão, que esta dinheirama toda estive no controle das prefeituras, e não do governador Renan Filho, rival nas urnas.
Derrotado, Arthur Lira passou a defender que recursos teriam que ser destinados às cidades e não apenas ao governo do estado. Curiosamente, o próprio presidente da Congresso apoiou e colaborou para a aprovação da regra vigente, com o novo marco legal do saneamento.
Nova Lei
Autor da nova lei, o governo se manifestou nas ações principalmente por meio do Ministério do Desenvolvimento Regional. A pasta argumentou que a universalização do serviço demanda investimentos de quase R$ 600 bilhões e que, até o marco, menos de 7% das empresas prestadoras do serviço eram privadas.
Argumentou que as estatais poderão continuar atendendo, mas deverão se submeter a licitações, para concorrer com a iniciativa privada, ou mesmo serem privatizadas.
Destacou que a lei prevê também aportes do governo federal para locais desatendidos, bem como a formação de blocos de municípios nos estados para atendimento conjunto pelas empresas privadas.
“A Lei nº 14.026/2020 estabelece lastro jurídico e legal para gerar um salto nos investimentos, garantindo à população o acesso a um saneamento adequado, gerando emprego, renda, melhoria nas condições de saúde e redução dos gastos de saúde pública”, afirmou Ministério do Desenvolvimento Regional.