Um Embaixador ao Piano: Filho da música e da delicadeza

Joel Belo Soares não tocava para aplausos. Tocava para construir pontes invisíveis entre corações distantes.

Por João Aderbal de Moraes*

Entre as teclas silenciosas de um velho piano, ergueu-se, um dia, um jovem sonhador nascido em Rio Largo -AL. Seu nome: Joel Belo Soares. Filho da música e da delicadeza, ele não dedilhava apenas notas — dedilhava destinos, sentimentos, na partitura invisível da história brasileira.

Do calor de Alagoas, onde aprendeu as primeiras harmonias, Joel embarcou para o Rio de Janeiro, atrás de novos mestres, novos ventos. Lá, sob o céu vasto da Guanabara, burilou a técnica, refinou a arte e moldou o talento que mais tarde encantaria plateias do mundo inteiro. O Brasil já não bastava: a música em seu peito clamava pelos grandes palcos da cultura ocidental. Com uma bolsa do governo francês, atravessou o oceano, rumo à Paris dos sonhos e da excelência, onde as salas de concerto e os cafés boêmios se rendiam à magia da música erudita.

Não foi apenas um artista que Paris acolheu; foi um futuro diplomata das melodias brasileiras. Munido apenas de sua genialidade e de seu piano, Joel foi plantando sementes de nossa alma musical em terras estrangeiras, onde cada concerto era, mais do que espetáculo, um gesto de fraternidade entre os povos.

Condecorado como Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Alagoas, Joel voltou ao Brasil não como filho pródigo, mas como mestre consagrado. Em Brasília, a nova capital nascente e cheia de promessas, encontrou solo fértil para sua vocação de educador. Na Escola de Música de Brasília, e como coordenador dos históricos Cursos Internacionais de Verão (CIVEBRA), formou não apenas pianistas, mas cidadãos do mundo, artistas que carregariam, como ele, a responsabilidade de representar a pátria sem fronteiras da música.

Mas sua diplomacia sonora não se limitou às fronteiras brasileiras: Portugal, com suas praças de Famalicão, também o viu chegar, ano após ano, como visitante ilustre, sem outra bandeira que não fosse a da sensibilidade e da cultura.

Concertista das Américas, da Europa, da África, do Oriente Médio, Joel Belo Soares não tocava para aplausos. Tocava para construir pontes invisíveis entre corações distantes. Tocava para narrar, sem palavras, a história de um Brasil profundo e lírico, feito de saudades, de jangadas, de serestas ao luar.

Registrou sua paixão em álbuns memoráveis: “Recordações de um Sarau Artístico”, onde deu voz às melodias de Ernesto Nazareth, e “Valsas, Polcas e Mazurkas”, um tributo imortal à música alagoana do século XIX. Em cada disco, não apenas interpretava, mas preservava, como um diplomata da memória, os vestígios da nossa identidade sonora.

Escreveu ainda o livro “Alagoas e seus Músicos”, porque sabia que a música não vive só no som, mas também no registro afetivo da história.

Pelas estradas que percorreu, recebeu medalhas, comendas, aplausos — a Ordem do Mérito da Presidência da República Portuguesa, a Comenda dos Palmares de Alagoas —, mas seu verdadeiro prêmio foi outro: a certeza de que, a cada nota, ajudava a fazer do mundo um lugar mais íntimo, mais próximo, mais fraterno.

Joel Belo Soares não foi apenas pianista, nem apenas mestre. Foi um embaixador da alma brasileira, que transformou seu piano numa verdadeira bandeira de paz, de cultura e de beleza. E, como todo grande diplomata, deixou em cada palco, em cada sala de concerto, em cada ouvido atento, uma mensagem sem fronteiras: que a música é a mais pura forma de diálogo entre os homens.

 

 

 

 

 

 

*João Aderbal de Moraes – Médico e escritor

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