Dia dos Pais, comemorado neste domingo, 8 de agosto de 2020, não é uma data muito especial para o Considerado. Ele acordou tarde e triste, por que ao longo dos seus quase 30 anos, nunca soube do pai. A mãe nunca lhe disse quem era e a avó, dona Nildinha, muito menos.
A angústia nesta data comemorativa é para entronchar. Costumeiramente fica deprimido e não quer saber de ninguém, nem das redes sociais onde são inúmeras as manifestações de filhos e filhas para os pais. Ele gostaria de fazer o mesmo mas não sabe para quem. Assim, se isola com a cara fechada.
O silêncio na casa da avó incomodou a Cega Dedé de PJ, que está lá desde o início da pandemia. Nildinha e o neto cuidam dela que está chegando aos 90 anos, mas dona de uma invejável lucidez. E Dedé quis saber por que o Considerado ainda não tinha dado as caras. Meio dia em ponto e ele não havia saído do quarto.
-Estou entranhando, Nildinha, por que ainda não ouvi a voz desse menino barulhento. Ele está doente desse vírus? – Perguntou a ceguinha.
A avó foi ao quarto do neto, mas já tinha certeza das razões dele de não aparecer antes no café da manhã. Abriu a porta e ele estava estirado na cama, coberto dos pés a cabeça. Não queria saber de nada.
Ela então tentou animá-lo: -Oh menino deixa de besteira e vem ficar com a gente. Dedé já perguntou por você. – Disse-lhe. Ele, que estava mudo, em silêncio ficou. Ela insistiu para que levantasse para ver o dia. O sol aberto e havia na geladeira uma cervejas para o resto da tarde. -Deixe-me em paz. Vou ficar aqui para esse dia passar logo. -Retrucou.
Nildinha voltou para a sala e disse a ceguinha que o Neto estava indisposto. Mas, Dedé quis saber a razão e ela teve que dizer que era consequência da data que sempre o deixa deprimido, pois não há o pai para comemorar.
-E onde anda esse miserento? – Indagou a cega. -E eu lá sei Dedé; nunca soube desse traste. Deve ser algum bozomaníaco ou mesmo um português de “trás o montes” fugido da Revolução dos Cravos! – Rebateu.
Acalmado os ânimos, contou a avó que a filha, professora municipal, quando apareceu grávida disse que teria o filho sozinha e não revelou nunca o nome do parceiro. Disse que na época brigou com ela e mostrou que a criança ia ser vista como filho de “chocadeira”. Não houve jeito, por que a moça foi mãe solteira até certo ponto. Afinal, o Considerado acabou sendo criado pela avó.
Mas Dedé foi ao quarto fez-lhe uns carinhos e o tirou da cama. Ele afirmou que gostaria de saber quem era o pai, mas que a mãe nunca revelara e por isso mesmo saiu de casa ainda criança para morar com Nildinha.
Juntos, entre uma cerveja e outra e de conversa em conversa, sobretudo em relação ao negacionismo do governo na pandemia que já matou mais de 100 mil brasileiros, Considerado resolveu fazer mais uma tentativa com avó e voltou a perguntar quem era e onde estava o seu pai? Nildinha voltou a afirmar que não sabia de nada e que já estava enjoada dessa história. E ele reagiu:
-Ora, eu é que não tenho pai e a senhora é quem fica enjoada?
-Contente-se. Seu pai e mãe sou eu e você não encontra melhor.
-Nada disso. Quero saber quem é meu pai?
-Pode ser qualquer um. Sua mãe era uma desnaturada.
-Mas ela teve bem a quem puxar.
-Não senhor. Ela conheceu muito bem o pai, meu amado tenente.
-Mas, eu não.
-Se for olhar direitinho seu pai está entre aqueles do grupo de bebuns que você anda.
-Conversa fiada dona Nildinha.
-Na verdade você parece com o Caturité, tem uns traços do Félix Corregedor, as pernas do Doquinha, que Deus o tenha, a voz daquele Dr. Coleguinha, o do dedão, e a orelhas do Lula Manguito. Acho que foi geração coletiva.
-Está chamando a minha mãe de puta?
-Sei que ela era cobra criada. Agora é que está metida a santa na igreja do Edir Macedo, certamente atrás de um pastor. Ou na frente…
-Mas é muito difícil pra mim não saber quem é meu pai.
-Vai chorar agora filho de uma égua, parece que está com o coronavírus?
-E se estiver qual é o problema?
-Então diga logo que vou pedir ao Batoré pra trazer um remédio bom para acabar com seu corona e sua depressão.
-Que remédio vó?
-Esse tal Ozônio para meter bem fundo no seu reto, sujeito.
-Aí dentro velha doida!