25 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
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Cala a boca já morreu! A quem interessa calar a imprensa?

Jornalistas têm sido alvos constantes de agressões e insultos de quem não aceita o exercício da democracia.

Cala a boca! A expressão gritada para um grupo de jornalistas, no já tradicionalmente conturbado encontro no ‘cercadinho’, não foi o primeiro (nem será o último) insulto que o presidente Jair Bolsonaro fez à imprensa nos seus 590 dias de governo. Mas me causou espanto com tamanha ousadia.

O episódio acontece dois dias depois que uma equipe do Estadão foi agredida em serviço por ativistas bolsomínions; três dias depois que um grupo de profissionais de saúde que fazia uma manifestação silenciosa, por condições de trabalho, foi igualmente agredida por “pessoas de bem” vestidas de verde-amarelo; semanas, meses após uma sequência de agressões que se repetem, cada dia com mais frequência, com mais ousadia e com mais gravidade, na tentativa de intimidar e fazer calar a imprensa ou qualquer voz de qualquer cidadão que se contraponha ou questione o pensamento do palácio central.

Essas agressões acontecem no mesmo compasso com que um presidente ‘grosseiro’ (palavra dele) ataca, incita o caos e minimiza os atos de violência praticados por sua turma. “Foi só uma agressão verbal”, disse ele à empresária “do bem”, que humilhou, insultou e por pouco não foi às vias de fato contra a enfermeira que a encarou silenciosamente, sem reagir.

O ‘cala a boca’ do presidente não foi um deslize; uma falha de linguagem. A frase autoritária repetida duas vezes, de forma descompensada, foi, de fato, a expressão indubitável do que o governo Bolsonaro e seus seguidores vêm tentando desde o início: calar a voz da democracia, numa campanha birrenta e obstinada de perseguição e tentativa de demonização da imprensa.

A quem interessa desacreditar o trabalho do jornalismo? Eu diria que interessa a quem não quer prestar contas à sociedade; a quem tem algo a esconder ou a quem não quer o povo esclarecido e bem informado.

Quantas entrevistas o presidente já concedeu durante o seu mandato? Pouquíssimas; raríssimas, mesmo. Em seus encontros com a imprensa, ele só fala (ou grita) e insulta. Não dá respostas a nada, não esclarece, porque não quer esclarecer, não quer informar, não quer ser questionado. Já repetiu diversas vezes: se fizerem perguntas eu vou embora. A isso não se pode chamar de entrevista. Aliás, nem sei por que os jornalistas ainda vão naquele ‘cercadinho’. Não rende nada, a não ser insultos. Se o presidente quer falar sozinho, já está na hora de deixá-lo falando sozinho. Vamos continuar cumprindo nosso papel de manter a sociedade informada buscando fontes que queiram falar.

Vi, outro dia, o relato de uma estudante de jornalismo que entrou e permaneceu por alguns dias num grupo de apoiadores de Bolsonaro, no  Whatsapp. Das muitas coisas que ela relatou, num texto reproduzido pelo portal Visão Crítica, o que mais me chamou a atenção foi um cartaz postado entre um sem número de fake news e outro sem número de alucinadas teorias da conspiração, dissipadas ao longo do dia no grupo.

Cobrando fidelidade dos ‘soldados’, o cartaz apócrifo, reproduzido incansavelmente pela a milícia digital bolsonarista, recomenda com letras em caixa alta: “NÃO ASSISTAM TV (nenhuma emissora); NÃO LEIAM JORNAIS (nem online). SÓ SE INFORME PELOS GRUPOS DE WHATSAPP OFICIAIS DO BOLSONARO!”

Pensar nas consequências graves dessa visão unilateral e alienista, nem precisa muita imaginação. Os fatos já mostram, nas cenas quase cotidianas de agressões a jornalistas e a outros setores da sociedade que questionem ou contradigam a voz do clã do palácio central.

Quando criança, tinha uma frase recorrente entre nós, usada para rebater quem, por falta de argumentos ou por incapacidade de enfrentar o contraditório, tentava nos fazer calar a boca no meio de uma discussão: “Cala a boca já morreu!”. Trago até hoje na minha essência de jornalista e de cidadã. E pra contextualizar, emendo com uma frase da ministra Carmem Lucia, do STF, ao abrir, no último sábado, um evento sobre “Pandemia e o papel da imprensa”, pelo Youtube: “Quer silêncio quem não quer democracia”.

Eu não tenho a menor dúvida!

E eles também não!

 

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