13 de maio de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

Congresso já trabalha em brecha a caixa 2 e alivia punições eleitorais

Projeto de lei já foi aprovado pela Câmara e deve ser votado pelo Senado; Legislativo quer ainda esvaziamento do controle de gasto partidário

Um projeto de lei que altera regras eleitorais e partidárias, ampliando as brechas para caixa dois e reduzindo a possibilidade de punição por irregularidades, foi aprovado pela Câmara dos Deputados. E está pra ser votado de forma sumária pelo Senado.

Como se não fosse o bastante, a proposta amplia a possibilidade de uso de dinheiro público pelas legendas e esvazia os mecanismos de controle e transparência no uso dessas verbas. O texto, que conta com apoio de várias legendas no Congresso, foi aprovado pelo plenário da Câmara por 263 votos a 144 na última semana.

O Senado até tentou votá-lo a toque de caixa na quarta (11), mas a pressão de entidades da sociedade civil e de alguns parlamentares forçou o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a adiar a análise para a próxima terça-feira (17).

Caso seja aprovado pelo Senado sem alteração, o texto segue para sanção ou veto de Bolsonaro. Se sofrer mudanças, volta para votação na Câmara.

As propostas absurdas

Entre as propostas constantes do PL 11.021 (que recebeu a numeração 5.029 no Senado) está a abertura para que cada partido apresente à Justiça Eleitoral uma prestação de contas em modelo próprio. A medida quebra a padronização do sistema adotado até agora, dificultando a fiscalização pública. Os atuais 33 partidos políticos brasileiros são financiados atualmente, de forma majoritária, pelos cofres públicos.

São dois fundos, o partidário, que é anual e destina cerca de R$ 1 bilhão às legendas, e o eleitoral, de dois em dois anos, que direcionou R$ 1,7 bilhão às campanhas em 2018 —o valor deve ser maior no ano que vem. Centrão e oposição articulam R$ 3,7 bi para fundo eleitoral para as próximas eleições.

Além da questão da transparência, outras mudanças introduzidas pelo projeto tornam bastante improvável qualquer punição da Justiça pelo mau uso do dinheiro público pelas legendas. Pelo texto, o partido só poderá ser punido caso fique comprovado que agiu com consciência de que estava infringindo a lei.

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A regra vale, inclusive, para casos já em análise pelos tribunais e que não tenham tido, ainda, decisão definitiva. Além disso, erros, omissões e outras falhas nas prestações de contas poderão ser corrigidas até o julgamento. Confira detalhes:

  • Prestação de contas: Torna facultativo o uso do sistema da Justiça Eleitoral, o que permitiria a cada partido usar um modelo diferente de prestação de contas, derrubando a padronização e dificultando em muito a fiscalização pública e por parte das autoridades
  • Punição: Erros, omissões e atrasos serão perdoados caso sejam corrigidos até o julgamento da prestação de contas. A nova regra traz ainda uma anistia, já que beneficia prestações de contas atuais que tenham apresentado problemas e ainda não tenham tido sentença definitiva (trânsito em julgado). Além disso, só haverá punição caso seja provado que o partido agiu com dolo, ou seja, com pleno conhecimento de que estava cometendo uma infração.
  • Contratação de advogado: Partidos poderão usar verba partidária para contratar consultoria contábil e advocatícia para “interesse direto e indireto do partido, bem como nos litígios que envolvam candidatos”. Isso abre brecha para uso praticamente irrestrito das verbas públicas, inclusive para defesa de políticos acusados de corrupção
  • Contabilidade de gastos: Doações recebidas pelos candidatos para gasto com advogado e contabilidade não entrarão na conta do teto de doação e gasto eleitoral. Isso abre espaço para caixa 2 travestido de serviço advocatício ou contábil
  • Conteúdo na internet: Hoje, partidos não podem gastar verba do fundo partidário impulsionando conteúdos na internet. Se o projeto for aprovado, isso passa a ser permitido
  • Participação feminina: Partidos têm que destinar ao menos 5% do que recebem do fundo partidário para promoção de políticas de estímulo à participação feminina na política. O projeto prevê que as legendas possam criar instituto com personalidade jurídica própria para gerir essa verba, o que livra dirigentes de punição por eventual aplicação irregular

Críticas

Pelo menos 23 entidades assinaram carta de repúdio à proposta que deve ser entregue a Alcolumbre no início da próxima semana. “Entre outros graves retrocessos, a proposta compromete severamente a transparência das contas partidárias e a eficiência dos respectivos processos de fiscalização”, diz o texto.

Outro ponto criticado no projeto é o que permite o uso praticamente livre das verbas públicas para pagamento de escritórios de contabilidade e advogados para filiados, incluindo aqueles que respondam acusações de corrupção. Hoje a Justiça tem barrado esse tipo de gasto.