19 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

Pesquisas dizem na CPI que 400 mil mortes poderiam ser evitadas

Ggrupo aponta em outro estudo que a pandemia provocou, em um ano, 305 mil mortes acima do esperado no Brasil

Quantas das mais de 500 mil mortes por covid-19 poderiam ter sido evitadas no Brasil? De acordo com Pedro Hallal, epidemiologista e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas, e Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil e representante do Grupo Alerta, quatro em cada cinco mortes pela doença no país eram evitáveis caso o governo federal tivesse adotado outra postura — apoiando o uso de máscaras, medidas de distanciamento social, campanhas de orientação e ao mesmo tempo acelerando a aquisição de vacinas.

Ou seja, de acordo com suas estimativas, pelo menos 400 mil pessoas não teriam morrido pela pandemia. Foi o que eles afirmaram nesta quinta-feira (24) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia.

— Quatro de cada cinco mortes teriam sido evitadas se estivéssemos na média mundial. Se nós estivéssemos na média, como um aluno que tira nota média na prova, nós teríamos poupado 400 mil vidas no Brasil — disse o epidemiologista Pedro Hallal.

Senadores governistas, no entanto, criticaram essa estimativa.

— É superficial esse tipo de afirmação, com tanta certeza, sobre a possibilidade de se evitar o número de mortos com essa ou aquela política. O coronavírus não respeita barreiras políticas, ideológicas, econômicas ou sociais. […] O que ataco é a pesquisa, que não serve de parâmetro para nada em razão dos dados — declarou o senador Marcos Rogério (DEM-RO).

Já Eduardo Girão (Podemos-CE) disse que seria importante que o levantamento considerasse outros países para permitir comparação.

— Erros nós tivemos no mundo inteiro – apontou Girão.

Girão questionou o cálculo utilizado nas pesquisas para “depurar qual é a verdade”. Segundo o senador, a CPI é uma guerra de narrativas.

O cálculo do pesquisador da Universidade Federal de Pelotas leva em consideração que 2,7% da população mundial vive no Brasil, mas concentra 13% das mortes, e projeta quantas mortes por covid-19 teriam ocorrido no país se ele tivesse tido um desempenho na média mundial.

— Os cientistas não estão 100% certos, estar 100% certo é muito difícil, mas o presidente errou 100% na condução da pandemia, e isto 100% errado também é muito difícil”, disse Pedro Hallal.

Segundo ele, só a demora na aquisição de vacinas e o ritmo lento da imunização resultaram em ao menos 95 mil mortes segundo Hallal.

— Nós fizemos uma análise que estimou que especificamente o atraso na compra das vacinas da Pfizer e da CoronaVac resultou em 95,5 mil mortes. E logo depois, outros pesquisadores analisaram os dados não especificamente dessas vacinas, mas o ritmo da campanha de vacinação que teria sido, caso tivéssemos adquirido, e eles estimaram 145 mil mortes especificamente pela falta de aquisição de vacinas tempestivamente pelo Governo Federal – disse.

O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) disse que o país tem que comemorar as mais de 16 milhões de vidas salvas. Em resposta, Hallal comparou essa comemoração à derrota do Brasil para a Alemanha na Copa do Mundo de 2014.

— Eu sempre fico com a sensação de que nós estamos comemorando o gol do Brasil contra a Alemanha. Foi 7 x 1 o jogo e a gente está comemorando que 16 milhões de pessoas ficaram doentes.

Os dados apresentados por Hallal convergem com levatnamentos do Grupo Alerta, formado por entidades da sociedade civil, como Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Oxfam Brasil, Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) e Anistia Internacional Brasil.

Sem considerar o impacto da vacinação, o grupo aponta em outro estudo que a pandemia provocou, em um ano, 305 mil mortes acima do esperado no Brasil. E ao menos 120 mil vidas poderiam ter sido poupadas com medidas não farmacológicas, testagem e rastreamento.

— A gente poderia ainda no primeiro ano de história da pandemia ter salvo 120 mil vidas. E não são números. São pais, são mães, são irmãos, são sobrinhos, são tios, são vizinhos. A gente poderia ter salvo pessoas, se uma política efetiva de controle, baseada em ações não farmacológicas, tivesse sido implementada”, disse Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil e representante do Grupo Alerta.

Minorias

Segundo Jurema Werneck, o impacto do descaso do governo foi ainda mais duro sobre a população indígena, negra e os moradores de favelas e periferias segundo Jurema Werneck. Com o apoio de professores e pesquisadores de universidades como UFRJ e USP, o grupo compilou dados oficiais sobre mortes evitáveis na população mais vulnerável.

— As desigualdades estruturais tiveram influência sobre as altas taxas de mortalidade. E quando a gente cruza com diferentes marcadores, a gente vê que a maioria das pessoas que morreram no Brasil eram negras, eram indígenas, eram pessoas de baixa renda e de baixa escolaridade – apontou Jurema Werneck.

Segundo estudo da Universidade Federal de Pelotas coordenado pelo epidemiologista e pesquisador Pedro Hallal que monitorou as taxas de infecção entre brancos, pardos, negros e indígenas, a infecção foi cinco vezes maior entre as populações indígenas e duas vezes maior entre os negros. O senador Marcos Rogério (DEM-RO) criticou estudo de Hallal e disse que epidemiologista “não tem conhecimento” sobre a questão indígena. O parlamentar reforçou que dados oficiais apontam 9 óbitos para cada 10 mil indígenas, enquanto que na população geral a relação é de 24 óbitos por 10 mil.

– Você não pesquisou sobre índio, sobre comunidade indígena, não visitou nenhuma aldeia, não conhece, pelo jeito – pelo menos é o que esta demonstrado aqui – como funciona dentro de uma aldeia indígena – disse o senador.

Pedro Hallal explicou que o levantamento envolveu indígenas não aldeados – que vivem em áreas urbanas –  e detalhou a metodologia da pesquisa. Rogério Carvalho (PT-SE) afirmou que o Centro de Pesquisa de Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas é considerado um dos melhores e um dos mais importantes centros de epidemiologia do Brasil e é reconhecido mundialmente. Randolfe Rodrigues (Rede-AP) lamentou constantes ataques à ciência.

 — Nos tempos atuais, parece que se resolveu atacar a ciência e onde se faz ciência – disse Randolfe.

Censura 

Ainda sobre esse estudo, Hallal disse ter sido censurado em coletiva de imprensa no Palácio do Planalto para apresentação do levantamento. Segundo o pesquisador, ele foi informado pela respectiva assessoria de imprensa, com 15 minutos de antecedência, de que a apresentação teria um slide sobre a diferença da covid-19 entre os grupos éticos removido.

— O slide foi retirado da apresentação e eu fui comunicado 15 minutos antes. E logo depois, pouco tempo depois, o Ministério da Saúde decidiu interromper o monitoramento por meio do Epicovid, sem qualquer justificativa técnica.

Questionado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre quem teria ordenado a retirada do slide, Hallal sugeriu que pode ter sido o secretário-executivo do Ministério da Saúde à época, Élcio Franco, que participou da coletiva.

—  Não posso responder quem tomou a decisão em nome do Ministério da Saúde: se foi o Ministro Pazuello ou se foi o Secretário-Executivo Elcio Franco. Eu entendo que é mais provável que tenha sido o Secretário-Executivo porque é ele que estaria presente na coletiva – ponderou.

Segundo Pedro Hallal, o levantamento Epicovid foi realizado em três fases, entre os meses de maio e junho de 2020 até ser descontinuado pelo Ministério da Saúde. O projeto custou R$ 12 milhões (R$1 milhão foi devolvido, porque não foi utilizado). Só neste ano, de acordo com Hallal, um novo projeto para monitoramento da covid-19 foi lançado pelo governo, o estudo chamado PrevCov,  custo de R$ 200 milhões. O valor chamou a atenção dos senadores. Rogério Carvalho (PT-SE) disse que a CPI precisa solicitar informações sobre o novo estudo.

— Parece desmedido. Se faz um estudo, num ano, com 12 milhões; e um estudo semelhante por 200 milhões, só nas regiões metropolitanas, o que é mais barato. Precisamos ter informações sobre essas questões – apontou Rogério.

Em resposta a Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Hallal também disse observar “mudança nítida de postura” quando Eduardo Pazuello assumiu o Ministério da Saúde como interino.

— E eu não tenho nenhuma dúvida de dizer que os resultados mostrando a diferença entre as populações de outras etnias e os indígenas foi o estopim pra motivação de descontinuidade do estudo – assinalou.