4 de maio de 2024Informação, independência e credibilidade
Fátima Almeida

A greve dos caminhoneiros e a distorção de sua motivação: é preciso separar “joio de trigo”

Há muito a refletir, mas ainda estamos no olho do furacão

(*) Graça Carvalho

A pauta “greve dos caminhoneiros” ainda toma conta do noticiário nacional e local. Prossegue repercutindo, por sua evidente relevância na vida do país, mas muitos outros fatos importantes foram sufocados ante a avalanche de informações, a exemplo da morte de nove adolescentes, num incêndio, na Unidade Provisória  que funciona dentro do 7º Batalhão da Polícia Militar, ocorrido no último sábado.

Também quase não houve espaço no noticiário para divulgação da Campanha Nacional de Adoção.  Em nível local, segundo informações da juíza Fátima Pirauá, titular da 28ª Vara Cível da Capital/ Infância e Juventude, há uma fila de 180 habilitados, enquanto  cerca de 30 crianças aguardam uma chance de conviver numa família. Elas vivem em abrigos, têm mais de cinco anos, são negras e algumas têm problemas de saúde. Ou seja, estão “fora do padrão” mais procurado: menina branca, com menos de três anos, saudável.

Esses e outros fatos, que ficaram quase invisíveis no noticiário da semana, certamente, precisam de atenção. Aliás, tudo o que se refere à criança e adolescente em situação de vulnerabilidade, certamente, precisa de uma prioridade efetiva.  No entanto, o Brasil parou para assistir ao desenrolar dos fatos e vivenciar a corrida aos postos, feiras livres e supermercados desabastecidos. Muito compreensível, a crise econômica, política e social é real.

Contudo, as manifestações de apoio ao retorno da intervenção militar, no Brasil, a exemplo da que aconteceu nesta segunda-feira, pela manhã, na Avenida Fernandes Lima, em Maceió, apontam claramente, para a distorção do movimento grevista.

É preciso separar joio de trigo. A manifestação dos caminhoneiros é legítima. Muitos deles agem, sem dúvida, motivados por reivindicações justas, que impactam nas suas vidas e de suas famílias. O problema é : quantos, por esse drama pessoal (e coletivo), não estão, sem perceber, deixando-se manipular por quem deseja reeditar o terror de um passado recente do Brasil, que ainda tem feridas abertas.

Entre as inúmeras análises sobre o momento vivenciado pelo Brasil, uma delas, divulgada em carta do arcebispo   Dom José Ionilton (do município amazonense de Itacoatiara), traz justamente o temor da reedição da repressão instalada no país, em 1964.

Não custa reproduzir a Carta de Dom José, até porque, ainda estamos numa democracia. E mais, num país às vésperas das eleições, os eleitores precisam estar atentos aos acontecimentos, para não se deixarem levar por quem quer se aproveitar desse momento importante da democracia brasileira para reimplantar o terror. Eleições livres e voto consciente ainda são o caminho mais seguro para garantir mudanças estruturais necessárias ao País.

 “Prezados Irmãos e Prezadas Irmãs da Prelazia de Itacoatiara!

Tenho ficado preocupado e rezado com a greve dos caminhoneiros no Brasil. Sempre fui e sou de acordo com as justas reivindicações e até, como último recurso, ao direito à greve. Mas vinha tendo um questionamento pessoal sobre a real motivação desta atual greve dos caminhoneiros.

Sou um entre outros que desconfiam de uma possível manobra de quem defende a intervenção militar, criando-se uma situação de caos social, para que se justifique a intervenção militar em nosso país.

Confesso que vinha temendo isto, e hoje meio dia recebi um artigo de dois jornalistas que chamam a atenção da população para o risco real desta intervenção militar, provocada por esta greve, armada, planejada para que se crie uma situação social de falta de combustível e consequentemente, levar o país a parar, criando assim um terreno propício para se justificar a intervenção militar e evidentemente a suspensão das eleições de outubro.

Penso que é meu dever como bispo da Prelazia de Itacoatiara, ajudar aos meus irmãos e às minhas irmãs na fé cristã católica, a usarem do censo crítico, a procurarem ler e ouvir outras notícias, além daquelas veiculadas nos grandes meios de comunicação do país, que sempre jogaram a favor de interesses distantes dos interesses do povo brasileiro, especialmente dos mais pobres.

Não estou afirmando que vai acontecer, mas é bom tomarmos cuidado com o que chega a nossas redes sociais, especialmente o que já vem circulando, propondo como a única solução da crise criada para o atual governo tomar o poder, seja a intervenção militar.

A pior democracia é melhor do que a melhor ditadura. Rezemos, reflitamos, estejamos atentos, não nos deixemos manipular por quem deseja a intervenção militar.

Lutemos pela democracia e pelo respeito à nossa Constituição Federal, que está completando apenas 30 anos que foi promulgada.

Dom José Ionilton, SDV”