À espera do Ano Novo, Considerado se preparou todo branco: Camisa, bermuda, cueca e sandália japonesa da mesma cor. Até nos cabelos ele mandou colocar mechas aloiradas “para espantar a Zica”, segundo declarou a avó Nildinha que nunca tinha visto o neto estiloso para a virada do ano.
O cara estava animado, imaginando um futuro diferente, uma vida mais radiante e feliz. “Sinceramente, nunca lhe vi assim tão eufórico, meu neto”, provocou ela. Considerado parecia está em estado de graça, tamanha era a áurea de esperança em seu interior. “Quero ser feliz vó”, disse após a manifestação dela sobre o seu novo visual.
Nildinha rebateu dizendo que, na verdade, não conhecia bem o conceito real da felicidade, além de momentos vividos, mas que não considerava o neto uma pessoa infeliz.
E Explicou: -Veja, você mora aqui comigo, não tem compromisso com nada, não gasta um centavo com as despesas da casa, nem com as suas, até por que não trabalha, e ainda assim vive na farra com seus amigos. E sei que tudo isso lhe agrada demais. Só lhe vejo festivo. Agora, esse visual todo aí é que me chamou a atenção. Aliás, quero que sejas plenamente feliz. Mas, trate de arranjar um emprego e uma namorada por que aí vou ter a certeza de que a felicidade estará em você.
-E precisa esse sermão todo dona Nildinha? -Reagiu o neto.
Ela então lhe disse que não se tratava de sermão, mas de um sentimento bom que tinha, para que o novo ano fosse realmente produtivo para a família, principalmente para ele que, a rigor, não queria saber de muita coisa na vida, a não ser se reunir com os amigos do grupo do Gabi: Tonelada, Pastor, Batoré, Coleguinha, Fumacê, Rui Caceteiro, Purê, Promoter, Empreiteiro OS, Braço de Pistola, Sargento Garcia, Zoião, Buda, Magistrado, Cobra Coral, Delegado, enfim, uma turma de copo e de cruz. Neste último caso, umas bem pesadas pelas dívidas da alma e de ações camufladas.
Mas, veio à noite e Nildinha reuniu alguns amigos em casa. A filha, mãe do Considerado, com o namorado novo, e mais alguns membros da família. Jantaram às 22h e o neto se despediu de todos para ir à festança na enfeitada orla de Maceió, com queima de fogos e um labafero de caixas de som em cada agrupamento. Zoada da gota serena…
Deu meia noite, os fogos pipocaram e Considerado se viu sozinho na multidão. Amigos, mãe, vó, parentes, ninguém por perto. Bateu-lhe a tristeza. O rapaz então iniciou o caminho a volta, certo de que aí não se perderia. Chegou em casa e a avó se surpreendeu com a tristeza dele. Correu ao encontro e o abraçou fortemente. Emocionados, choraram juntos. Ambos estavam a sós. Os convidados já haviam partido.
-Eu fiquei desnorteado vó. Não tinha ninguém para abraçar.
-Eu sei como é. Já passei por isso, meu filho…
-Foi mesmo vó. Como?
-Eu tinha a sua idade e gostava de um desses velhos amigos seus.
-Oxente, que história é essa?
-Ele era uma espécie de rei do Zinga Bar, lá em Riacho Doce. Bom de ginga, elegante e charmoso: me apaixonei.
-Essa eu não sabia. Pensei que seu caso era só o Zé Fumacê.
-Entreguei-me a esse homem, perdidamente.
-Minha nossa senhora…
-Pois é. Aqueles olhos me hipnotizavam; me comiam viva. Era uma tortura…
-Eita, essa eu não sabia…
-Fomos comemorar o Ano Novo no Zinga. Quando bateu meia noite ele olhou para um lado e aí eu fiquei só.
-Como assim?
-Ele viu outra moça e ficou ela, imbecil!
-Que cabra da peste.
-Ainda hoje quando vejo aqueles “zoião” eu tremo…
-De medo vó?
-Zoião não faz medo, Zoião é paixão, criança.
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