Reta de fim de ano, confraternizações de toda ordem e dona Nildinha, a avó do Considerado, amanheceu animada. Levantou da cama certa de participar um encontro festivo da turma do Gabiru.
O detalhe é que ela não faz parte da turma. Mas, como o neto é um dos fundadores do grupo ela se sentiu automaticamente auto convidada.
Foi cedo ao salão de beleza, ajustou os cachos dos cabelos e deu uma geral nas unhas das mãos e dos pés. Olhou-se depois no espelho do salão e mandou ver: -Estou pronta pra luta!
As moças do salão olharam-na com a cara de espanto e resolveram matar a curiosidade: -Pronta pra luta, que história essa Nildinha?
Ela, em estado de graça, disse que acompanharia o neto nessa “confra” no restaurante Maria Antonieta. “Eita, está podendo muito hein dona Nildinha”? – Pontuou a manicure.
Eufórica, falou que não gastaria nada. Isso por que o Considerado havia lhe dito que o Dezinho Papada, o Pastor e o Magistrado iriam bancar a reunião festiva. Os demais pagariam só uma taxinha simbólica.
-Mas Nildinha, Dezinho Papada é quem? -Perguntou a dona do salão. – Ah, minha filha, segundo o “Consa”, é um dos chegados do restaurante. – Disse ela.
A manicure disse que gostaria muito de ir a uma festa assim. Nildinha logo lhe tirou de tempo: – Nem pense minha filha. Lá só eu, por que conheço vários, principalmente meu doutor branco, coleguinha do meu neto, que tem olhos e dedos lindos.
-Dedos lindos, dona Nildinha, que coisa estranha? -Voltou a questionar cabeleireira. E ela de bate-pronto: – É por que você nunca fez uma consulta com ele, um urologista famoso no País inteiro.
Dito isto, pagou a conta e deu no pé. Em casa, Nildinha colocou o novo short branco, comprado em uma loja de marca da Ponta Verde, uma camiseta rosa de cetim e um blazer curto, bege, para parecer discreta no ambiente fino. Sentou-se na poltrona da sala e ficou a esperar o neto.
Considerado chegou da rua e ficou abismado com toda a produção da avó. E aí não se conteve: -Vai pra onde vó, com essa elegância?
Ela o olhou de cima a baixo e devolveu a pergunta: – Como assim, nós não vamos à festa da sua turma do Gabiru? Considerado ficou surpreso por que isso não havia sido discutido, nem combinado. Até por que essa turma é uma espécie de “clube do bolinha”.
-Mas vó quem lhe chamou?
-Oh, gente, você não é da turma?
-Sou, mas a senhora não?
-E o que é que tem me levar?
-Mas isso não foi acertado vó.
-Eu sou sua avó, lhe banco aqui em casa e não posso ir a uma festa com você?
-Não é isso vó, eu teria que ter combinado com a turma?
-Com quem mesmo, quem é que manda, o Batoré, esse tal Pastor, o Delegado, aquele Promotorzinho do Mercado da Produção, ou o Purê Azedo?
-Tenha calma vó, não é bem assim…
-Então o que é?
-A senhora deveria ter falado antes, para eu perguntar ao Tonelada se poderia lhe levar.
-Tonelada? E desde quando aquele peixe boi manda em você?
-Ele não manda, mas organiza as festas.
-É. Você quer mesmo que eu morra sozinha, como uma velha enjeitada.
-Que exagero vó, eu não estou com você?
-Sim, mas eu não sou a dama do incesto…
-Que sacrilégio é esse minha avó?
-Você está censurando o meu direito de ver o meu doutor.
-O doutor é casado dona Nildinha, deixe de enxerimento descabido…
-Ele é casado, mas o dedo dele não… Seu porra!