8 de setembro de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

João de Deus presta depoimento e ficará em cela individual

Defesa do médium culpa as vítimas e não dá crédito para o depoimento da própria filha, uma das 300 mulheres que o acusam de estupro

O médium João de Deus, 76, se entregou à polícia neste domingo e foi levado para o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, denominado Núcleo de Custódia. Ele ficará em uma cela individual e isolado dos demais detentos, cumprindo prisão preventiva, que não tem prazo para terminar.

A negociação para que o João de Deus tivesse tratamento diferenciado foi feita pelos advogados de defesa do médium, que argumentaram com a idade e o estado de saúde dele João de Deus e com o fato de ter passado por um câncer de estômago.

Segundo o delegado-geral de Goiás, André Fernandes, após a coleta de 15 depoimentos há fortes indícios de culpa por parte do médium. Os crimes em apuração são os de estupro e posse sexual mediante fraude, que é usar a fé para obter sexo. O Ministério Público já registrou relato de mais de 300 vítimas médium goiano.

Elas foram abusadas dentro de uma sala da Casa de Dom Inácio de Loyola, o centro de atendimento de João de Deus na pequena cidade de Abadiânia, no interior de Goiás, local onde o guru diz curar os males de mais de 300 000 peregrinos anuais.

Em entrevista à revista Veja, a própria filha do médium, Dalva Teixeira, de 49 anos, afirma que seu pai é um monstro. Ela contou ter sido coagida, molestada e espancada por ele. A violência começou quando ela tinha apenas 10 anos de idade.

Num determinado dia, diz, João de Deus chegou em casa e pediu que a menina segurasse uma vela branca. Começava ali um ritual macabro. O médium mandou que ela fizesse uma marcação na vela para delimitar o tempo que duraria o “trabalho espiritual” que ele preparava para a filha.

“O pai vai ter de ficar com você até o fogo chegar nessa marca”, disse ele, segundo Dalva. Naquele momento, João de Deus a levou para dentro do quarto e se despiu. Ele começou a passar o pênis no meu corpo todo. Eu falei: ‘Ai, tá me machucando’. E ele continuou em cima de mim.” Foi o primeiro de uma série de abusos que se estenderiam por anos.

Defesa

O médium João de Deus negou em depoimento neste domingo (16) qualquer tipo de culpa nos abusos sexuais dos quais é acusado e sua defesa tentou desqualificar as denunciantes. “Ele não admite. Apresenta suas versões e cabe à polícia provar”, afirmou o delegado-geral.

O médium falou por mais de duas horas a duas delegadas. Segundo Fernandes, ele respondeu a todas as perguntas e se recordou de alguns atendimentos feitos a mulheres que o denunciaram. O suspeito disse que a regra era recebê-las coletivamente, e não em recintos individuais, como consta dos relatos de supostas vítimas.

O advogado do médium, Alberto Toron, declarou após o depoimento que as denúncias precisam passar por um escrutínio calmo e que algumas das mulheres não têm credibilidade para acusar João de Deus.

Seria o caso da holandesa Zehira Lieneke. “Estou recebendo informações, com um dossiê, de que tem um passado nada recomendável, o que pode descredibilizar sua palavra. Era uma prostituta e tinha um passado de extorsão”, afirma Toron. “O fato de ter sido prostituta, por si só, não a descredibiliza, mas é preciso ver o contexto da vida dessa mulher para ver se ela tem crédito ou não. Isso não fizemos ainda”.

Questionado se seria jogo sujo desqualificar as vítimas, ele respondeu que “acusar falsamente alguém de crime grave” é que seria. Já sobre a filha do médium, que o acusou de violentá-la, o advogado afirmou que ela já fez mais de um vídeo retirando as próprias acusações. “Fica difícil dizer o que acontece com ela. Tem histórico de internações.”

O médium não foi questionado sobre suas finanças, mas Toron negou neste que o médium tenha retirado R$ 35 milhões de suas contas bancárias. “Ninguém saca R$ 30 milhões do banco. Ele simplesmente baixou suas aplicações para fazer frente a necessidades dele.”