Com milhares de páginas e sete juízes diferentes em quase cinco anos de duração, o processo de Recuperação Judicial das empresas do ex-presidente Fernando Collor de Mello é tão desgastante e cansativo que afeta a memória até de integrantes do Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL).
Uma das vítimas da síndrome foi o promotor de Justiça Vladimir Bessa da Cruz, que acabou se esquecendo de ter se declarado impedido de participar do processo em 2019 – sob alegação de ter parentes sócios de empresas credoras das Gazetas – mas, em 2023, manifestou-se favoravelmente a Collor. Naquele ano, o promotor que deveria substituí-lo, Francisco Augusto Tenório de Albuquerque, também se declarou suspeito.
Nesse imbróglio, por quase três anos, o processo não teve acompanhamento do MPAL e, somente depois da pressão feita pelos trabalhadores, o então procurador-geral de Justiça, Márcio Roberto, nomeou o promotor Marcus Mousinho para acompanhar o caso, em abril de 2022. Recentemente, Márcio Roberto assumiu o cargo de desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) e convidou Collor – sem mandato – para a solenidade de posse, onde ressaltou a lealdade e amizade entre os dois.
Voltando a Bessa, ele é autor de um parecer favorável à mediação com deságio de 40% nos valores que os trabalhadores tinham a receber. Só que, depois de uma assembleia de credores nebulosa, em que se aprovou o pagamento de dez salários mínimos em 12 parcelas para todos, independentemente do valor a receber, a categoria pediu a anulação da assembleia de credores e o afastamento da gestão das empresas colloridas.
O advogado Marcos Rolemberg, representante dos 33 credores das Gazetas que são o pesadelo do ex-presidente por lutarem para receber um valor justo pelos anos de serviço, faz duras críticas à proposta de deságio. “Essa mediação seria uma iniciativa da empresa para compensar os credores e, assim, ter a ação penal pelos crimes arquivada”, alerta.
Além da mediação para que os trabalhadores recebessem apenas 60% do que têm direito – sobre valores sem juros e correções, ressalte-se -, o lapso de memória do promotor de Justiça Vladimir Bessa da Cruz, que esqueceu do impedimento pedido por ele mesmo, traria outra preocupação aos credores da Organização Arnon de Mello (OAM).
“Ele deu um parecer não vendo nenhum problema da juíza liberar R$ 458 mil que estão sendo devolvidos pela Justiça do Trabalho e que seriam dinheiro de depósitos recursais de processos que terminaram porque as pessoas fizeram acordo. Só que lá, na lista de processos, a Gazeta, malandra, colocou um processo da Justiça Federal. São R$ 317 mil, que seriam de um acordo da Braskem com a Gazeta, referente a um apartamento no edifício Tibério Rocha, no Pinheiro”, acrescenta Rolemberg.
Este seria mais um indício de que a Gazeta usava dinheiro para gastos pessoais dos sócios e dos administradores, ou seja, mais um crime com a conivência das autoridades.
Clube dos 33
Um grupo de 33 credores tiraria o sono do principal sócio das Gazetas, o ex-presidente Fernando Collor de Mello, se ele tivesse consciência e empatia. Eles não aceitaram a proposta pornográfica de receber dez salários mínimos, em 12 miseráveis parcelas, como foi aprovada, de forma estranha, na assembleia de credores da OAM. Para se ter uma ideia, o advogado da Gazeta tinha em mãos mais de 100 procurações de voto.
A coisa ficou tão feia que a Justiça alagoana sentiu vergonha e o juiz avisou que homologaria o Plano de Recuperação Judicial, com uma ressalva: a de que a empresa melhorasse a proposta de pagamento à classe trabalhista.
Os trabalhadores querem a destituição da direção da empresa e a anulação total da assembleia de credores. A assembleia virou caso de delegacia e deve ser investigado pela Polícia Civil de Alagoas que, desde o ano passado, não se manifesta.
Enquanto isso, o grupo vem conquistando importantes vitórias. Dos 33, duas pessoas já receberam o que tinham direito, sem deságio, com multas e juros. Um fechou acordo na Justiça do Trabalho. Cinco saíram da RJ e estão em execução provisória – dependem apenas do recurso voltar do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília, onde Collor perde todas. E oito estão na fase de execução definitiva, aguardando apenas a penhora e venda do patrimônio de Fernando Collor para receberem seus direitos.
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