27 de julho de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Rio: Incêndio destrói 20 milhões de itens do acervo do Museu Nacional

Maior coleção de múmias fora do Egito, fóssil mais antigo da primeira habitante do Brasil, um meteoro de 5 toneladas e outros itens inestimáveis consumidos pelo fogo no museu de 200 anos

O prédio do Museu Nacional, na zona norte do Rio de Janeiro, foi tomado por um incêndio de grandes proporções na noite deste domingo (2). O prédio foi fundado em 1818 por Dom João VI. Não é só o museu mais antigo do Brasil, mas também a mais antiga instituição científica nacional.

Ele era um dos maiores museus da América Latina, com um acervo de história natural gigantesco, de mais de 20 milhões de itens catalogados.

Os bombeiros retiraram uma pequena parte das obras, antes de ser atingida pelo fogo, sem que fosse preciso o total resgatado. Do que ficou, sobraram apenas cinzas.

Não houve feridos, mas o início do trabalho demorou a começar por um motivo que só pode ser considerado um último insulto para o prédio que sofria de abandono por faltas de verba e sofria até com infestação de cupim: hidrantes estavam sem pressão e com falta de água, o combate foi prejudicado.

No prédio, que em 1925 recebeu a visita do físico alemão Albert Einstein, em 7 de maio de 1925, havia coleções de antes da chegada da família real. O Museu Nacional possuía o maior acervo de múmias fora do Egito, além de acervo de 200 anos de trabalho de antropologia, de botânica, os fósseis mais antigos do Brasil, uma grande coleção de meteoritos, estudos de todo tipo.

Até mesmo os fósseis do ser humano mais antigo achado até hoje no Brasil. Tratava-se do esqueleto da jovem apelidada de Luzia, que viveu em Minas Gerais há cerca de 12 mil anos. A estrutura, tombada desde 1938, não sofre riscos, mas seu interior de valor inestimável virou cinzas. Não sobro praticamente nada.

Bicentenário com abandono

O que aconteceu no Museu foi uma tragédia anunciada. O diretor da instituição, Alex Kellner, que assumiu o cargo este ano, tentava negociar parcerias com a iniciativa privada para recuperar o museu e o vice-diretor, Luiz Fernando Dias Duarte, reclamou da falta de apoio do governo na conservação do espaço.

“Nunca conseguimos nada do governo federal. Recentemente estávamos finalizando um acordo com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para um aporte de recursos volumoso, onde iríamos fazer finalmente a restauração do palácio e, ironicamente, planejávamos um novo sistema de prevenção de incêndios”, afirmou o vice-diretor da instituição que buscava há anos apoio em diversas esferas do governo federal para ajudar na conservação e readequação do espaço, mas nunca conseguiu.

O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, disse que o dano do fogo ao acervo é “irreparável”, e afirmou que o acidente poderia ter sido evitado. Agora é tarde.

Há três meses, por ocasião da celebração de seus 200 anos, o Museu Nacional assinou com o BNDES um contrato de patrocínio no valor de R$ 21,7 milhões. Os recursos serviriam à restauração do prédio histórico e fizeram parte da terceira fase do Plano de Investimento para a revitalização do Museu Nacional, e somaram-se a R$ 24 milhões destinados nas duas fases anteriores pelo BNDES.

20 milhões de itens

O Museu Nacional é vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, e completou 200 anos em 2018. Seu acervo tem mais de 20 milhões de itens. Especializado em história natural, é o mais antigo centro de ciência do Brasil e o maior museu desse tipo na América Latina.

O maior tesouro do Museu Nacional era o esqueleto de “Luzia”, achado em Lagoa Santa, em Minas Gerais, em 1974, que morreu entre os 20 e os 25 anos de idade e foi uma das primeiras habitantes do Brasil. O crânio de Luzia e a reconstituição de sua face, revelando traços semelhantes aos de negros africanos e aborígines australianos, estavam em exibição no museu.

A descoberta de Luzia mudou as principais teorias sobre o povoamento das Américas e era considerado o maior tesouro arqueológico do país.

Também exposto no saguão do museu estava o maior meteorito já encontrado no Brasil, o Bendegó, com 5,36 toneladas. A rocha é oriunda de uma região do Sistema Solar entre os planetas Marte e Júpiter e tem cerca de 4,56 bilhões de anos. O meteorito foi achado em 1784, em Monte Santo, no Sertão da Bahia. Na época do achado era o segundo maior do mundo. Atualmente, ocupa a 16ª posição. A pedra espacial integra a coleção do Museu Nacional desde 1888.

O corpo mumificado de um índio Aymara, grupo pré-colombiano que vivia junto ao Lago Titicaca, entre o Peru e a Bolívia, abre a série de múmias andinas do Museu Nacional. O Museu Nacional tem a maior coleção de múmias egípcias da América Latina. A maior parte das peças foi arrematada por D. Pedro I, em 1826. São múmias de adultos, crianças e também de animais, como gatos e crocodilos. Lápides com inscrições em hieróglifos também faziam parte da coleção.

Família Real

O prédio foi uma doação do comerciante Elias Antônio Lopes ao príncipe regente D. João, em 1808, ano da chegada da família real ao Rio. Após a morte de dona Maria I, em 1816, D. João mudou-se definitivamente para o Paço de São Cristóvão, onde permaneceu até 1821. D. Pedro I e D. Pedro II também moraram por lá.

Com o fim do Império, em 1889, toda a família se exilou na França. O palácio foi, então, palco da plenária da primeira Assembleia Constituinte da República, entre novembro de 1890 e fevereiro de 1891. O Museu Nacional se mudou para o palácio no ano seguinte, 1892.