8 de outubro de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

Dia de Luta Antimanicomial: profissionais temem volta da hospitalização

Hoje, em Alagoas, 70 pessoas com deficiência mental moram em residências terapêuticas

(*) Por Graça Carvalho

Olhares curiosos de consumidores e comerciários, durante o dia de hoje, no Calçadão do Comércio de Maceió, onde aconteceram atividades alusivas ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Há  cinco meses, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria 3.588/2017, trouxe de volta a possibilidade de internação em hospitais psiquiátricos. Os profissionais de saúde e de áreas afins, defensores da luta antimanicomial, estão preocupados com o impacto dessa decisão do Governo Temer.

Desde a Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001), a implantação gradativa de um sistema substitutivo à internação institucionalizada, por meio de Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), Centros de Convivência e Residências Terapêuticas vinha acontecendo em todo o país, ainda que de forma tímida. A preocupação de quem conhece a luta antimanicomial, que surgiu com força na década de 80 e influenciou a reforma psiquiátrica, é que o Governo Federal passe a reinvestir mais na hospitalização e ocorra um retrocesso sem precedentes.

A psiquiatra alagoana Nise da Silveira ainda hoje é principal nome da luta pela humanização do tratamento psiquiátrico.

Em Alagoas, 70 pessoas com deficiência mental, que estavam internadas em hospitais psiquiátricos há 20, 30 anos, hoje, residem em sete residências terapêuticas, com capacidade para dez moradores (como são chamados os ex-internos), localizadas em diversos bairros de Maceió. Alguns até têm família, mas não têm mais vínculo com elas. Nas residências terapêuticas, eles  são assistidos, 24 horas, por um cuidador, um técnico de enfermagem e um enfermeiro, cozinheiro, além da equipe do CAPs.

“Eles moram nas residências, mas vão ao CAPs regularmente. É todo um processo de adaptação. O estigma ainda é grande quando o assunto é doença mental”, afirma a terapeuta ocupacional Manuela Lima, do CAPS Enfermeira Noraci Pedrosa, que acompanha moradores de uma residência masculina e outra feminina. Na opinião de Manuela, a portaria do MS ainda não causou muito impacto no estado, uma vez que, por aqui, ainda não há muitos serviços substitutivos. Contudo, ela acredita que, se o governo investir recursos na hospitalização, preterindo o sistema substitutivo, a situação pode piorar.

Trocando em miúdos, em Alagoas, não há CAPs 24 horas para quem entra em surto psiquiátrico. O único 24 horas que há é o CAPs AD (álcool e outras drogas).  Também não há leitos em hospitais gerais para atendimento de emergências psiquiátricas.  Por isso mesmo, o Portugal Ramalho – fecha, mais não fecha – vem ainda mantendo suas portas abertas como hospital de referência para as emergências. E há ainda, por lá, pacientes hospitalizados, o que também ocorre Miguel Couto, por não haver ainda residências terapêuticas suficientes. Ou seja, se os recursos forem investidos na hospitalização, o que já é precário pode piorar.

O psicólogo Sérgio Aragaki, professor do curso de Medicina da Universidade Federal de Alagoas, é outro que  atesta a precariedade da implantação da Lei da Reforma Psiquiátrica no estado. “Até hoje existem manicômios na capital (não só o Portugal Ramalho e no interior). Em Maceió, só existe mesmo um CAPs 24 horas para álcool e outras  drogas, e, infelizmente, não há leitos em hospitais gerais na capital. Não temos Centros de Convivência,  Cultura e Cidadania. O Governo Temer fortaleceu os hospitais e as chamadas comunidades terapêuticas (locais afastados de grandes centros, específicos para tratamento de álcool e outras drogas), ambos, comprovadamente, espaços de baixíssima efetividade e altíssima violação de direitos humanos”, lamentou  Aragaki.

Em tempo, nas palavras da precursora da luta antimanicomial, no Brasil, a alagoana Nise da Silveira, “aquilo que se impõe à psiquiatria é uma verdadeira mutação, tendo por princípio a abolição total dos métodos agressivos, do regime carcerário, e a mudança de atitude face ao indivíduo, que deixará de ser o paciente para adquirir a condição de pessoa, com direito a ser respeitada”.  Nise, certamente, se ainda estivesse por essas bandas…