20 de setembro de 2024Informação, independência e credibilidade
Justiça

Maria da Penha é alterada e PF ganha nova atribuição: há o que comemorar?

Duas novas leis relacionadas ao combate à violência contra mulher, que entraram em vigor neste mês de abril, já estão repercutindo no meio jurídico

Por Graça Carvalho – repórter

Duas novas leis relacionadas ao combate à violência contra mulher, que entraram em vigor neste mês de abril, já estão repercutindo no meio jurídico. A primeira delas (Lei 13.641/18) tornou crime o descumprimento de medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) impostas em razão de violência contra mulheres. A segunda, Lei nº 13.642/18, transferiu para a Polícia Federal a investigação de quaisquer crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino (traduzindo, aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres).

Há motivos para comemorar? Será que as mudanças vão ser mesmo úteis às mulheres vítimas de violência? O Eassim questionou pessoas dedicadas ao estudo da violência de gênero, a exemplo da professora Elaine Pimentel, atual diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), e a advogada Paula Simony, coordenadora do recém-criado Centro de Defesa dos Direitos das Mulheres (CDDM), sobre essas novidades legislativas.

Professora Elaine Pimentel

Com relação à criminalização da conduta de descumprimento de medidas protetivas de urgência, Elaine nem pestanejou. Disse não haver motivos a comemorar. O que houve foi uma expansão penal desnecessária. “Você tem um procedimento processual, as medidas protetivas, no contexto da Lei Maria da Penha, e a previsão de equipes multidisciplinares para acompanhamento tanto da vítima, quanto do agressor. Então, essa criminalização não tem razão de existir”, pontua Elaine, acrescentando que o Estado deveria era fortalecer os mecanismos de acompanhamento e de fiscalização das medidas protetivas pela via administrativa, que é a do poder público, e não por mais uma via penal.

Em resumo, a partir de agora, se o juiz determinar que o agressor deixe de frequentar determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida (uma das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha), e houver descumprimento, essa conduta será considerada crime. Então, será preciso instaurar um processo penal, à parte, especificamente para apuração dessa nova conduta. De fato, isso pode tumultuar o processo principal, mas não foi isso que entendeu o legislador, muito longe do dia a dia da violência de gênero.

Advogada Paula Simony

“É complicado encarar mudanças que visem dificultar ainda mais a situação da mulher, punindo por punir e não para resolver o problema. As mulheres carecem de politicas públicas permanentes e não de alterações legislativas. Por exemplo, Alagoas não conta com o funcionamento das delegacias 24 horas, tampouco aos fins de semana”, critica a coordenadora do CDDM.

Na mira da Polícia Federal

Ao menos em relação à transferência para a Polícia Federal, da competência para investigação da violência de gênero contra as mulheres na rede mundial de computadores, há acerto, segundo a professora Elaine. “Se a apuração da violência contra a mulher só fica na esfera da Polícia Civil de cada estado federado, isso não se torna um problema nacional. Nesse sentido, eu vejo essa lei de maneira positiva, pois agora, matéria referente à condição feminina chega à Polícia Federal. Se eles não são especializados ainda nisso, vão se especializar a partir de agora”, ressaltou Elaine, que também atua como voluntária no CDDM.

O Eassim procurou a Assessoria de Comunicação da Polícia Federal para saber se já há alguma orientação aos delegados e agentes federais, mas ainda não obteve retorno. Fica aberto o espaço para futuros esclarecimentos sobre o assunto. Afinal, a lei já está em vigor.

Em tempo, dados divulgados há pouco mais de um mês pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que, em Alagoas, havia 4,7 processos judiciais de violência doméstica para cada mil mulheres residentes no estado até o final de 2017. No comparativo com outras unidades da Federação, o estado apresenta a menor taxa de judicialização de demandas, perdendo só para o Rio Grande do Sul (0,2) e Rio Grande do Norte (2,4).

Isso não significa, evidentemente, que, por aqui, a violência contra mulher é menor. O problema é que nem todas chegam, efetivamente, ao Judiciário – muitas por medo da reação do agressor ou dependência econômica em relação ao mesmo.