12 de maio de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Decretos presidenciais que esvaziaram Conselhos estão na mira da PGR

Raquel Dodge diz que o decretos ferem princípios constitucionais

A Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs 622 e 623) questionando decretos do presidente da República que alteram a composição e a forma de escolha dos membros do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Para a PGR, as modificações, que reduziram o número de assentos destinados à sociedade civil nos conselhos, violam o direito de participação popular direta e a proibição ao retrocesso institucional. Nas duas ações, há pedido de deferimento de medida cautelar para suspender a eficácia das normas questionadas.

As ações foram ajuizadas na terça-feira (17) pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge. Na avaliação dela, as mudanças que à primeira vista poderiam ser classificadas como “sutis” colocam sob risco o equilíbrio representativo dos conselhos.  Além disso, afirma que o decreto teve “clara índole normativa”, quando seu papel é “explicitar o modo pelo qual a administração operacionalizará o cumprimento da normal legal”.

Conanda

No caso do Conanda, a PGR sustenta que a redução no número de assentos no conselho, prevista no Decreto 10.003/2019, gera desequilíbrio representativo profundo, “a ponto de desvirtuar a função do órgão colegiado”. Ou seja, a destituição desmotivada de todos os atuais membros, eleitos por processo eleitoral legítimo e com mandato ainda em vigor, fere o princípio da segurança jurídica. E mais, as mudanças na forma de escolha dos membros e na periodicidade das reuniões prejudicam o desempenho regular da função deliberativa do órgão, classificada como essencial à proteção dos direitos da criança e do adolescente, “uma vez que estabelece diretrizes de políticas voltadas para este público por meio de processo participativo, que envolve amplo debate e exame dessas políticas”. A ADPF 622 foi distribuída ao Ministro Roberto Barroso.

Uma das atribuições do Conanda, por eemplo,  é a definição de diretrizes por meio da gestão compartilhada entre governo e sociedade civil para elaboração das políticas envolvendo direitos humanos. “Nesse ponto, é necessário destacar a importância, para a plena consecução da competência do colegiado, de que suas regras de composição atendam aos princípios fundamentais de democracia participativa”, pontuou.

Outro aspecto evidenciado por Raquel Dodge foi o de que os direitos políticos não se limitam à participação popular indireta por meio da eleição de representantes. “A participação popular direta é dimensão essencial do exercício da democracia, tanto na função fiscalizatória, como na tarefa de elaboração de políticas públicas. Isso porque o modelo de democracia adotado pela Constituição Federal de 1988 é misto – democracia semidireta -, em que se combina representação política com institutos de participação popular direta”, completou.

Ao citar a mudança que previu o chamado voto de qualidade em caso de empate nas deliberações – pelo o presidente do colegiado – , ela afirma que “é sintomático observar que, ao reformar o texto do artigo 78, do Decreto nº 9.579/18, a norma impugnada retira a referência à paridade entre os representantes do Poder Executivo e da sociedade civil na composição do Conselho. Vê-se claramente que as mudanças buscam, de fato, reduzir o âmbito de participação da sociedade civil no Conanda”.

Quanto à vedação ao retrocesso institucional, Raquel Dodge explica que esse princípio está ligado diretamente à proteção dos direitos humanos e que decorre de diversos mandamentos constitucionais. Pontua ainda que a proibição do retrocesso é compatível com jurisprudência do STF – corte que já impediu o retrocesso político, civil e social.

Raquel Didge listou convenções ligadas à temática da defesa dos direitos humanos das quais o Brasil é signatário. Para ela, as mudanças do decreto traduzem uma violação do artigo 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos por ter como consequência uma fragilização do Conanda enquanto instrumento de implementação do dever de proteção do Estado aos direitos das crianças e adolescentes. Confira a da ADPF, encaminhadas ontem ao STF.

Conama

A PGR questionou ainda o  Decreto 9.806/2019 alterou o funcionamento do Conama de forma a reduzir a representação da sociedade civil, o que afeta a participação popular direta na elaboração de políticas públicas de proteção ao meio ambiente. De acordo com a argumentação, a redução resultou em profunda disparidade representativa em relação aos demais setores sociais representados no órgão. Segundo a ação, o desequilíbrio entre representantes de interesses exclusivamente ambientais e os que representam outros múltiplos interesses prejudica a função do conselho de elaboração de políticas de proteção ao meio ambiente pela coletividade, “impondo lesão ao preceito fundamental da proteção ao meio ambiente equilibrado”. A ADPF 623 foi distribuída à ministra Rosa Weber.

 

Confira a íntegra das ações proprostas ADPF 622
ADPF 623