21 de maio de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Moro se inspira na operação italiana “Mãos Limpas”; especialista vê erro

Escolha dos dois dá fortes argumentos contra a Lava Jato, levando a uma desconfiança da operação

Os magistrados da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), receberam uma mensagem do juiz federal Sergio Moro. Ele abertamente diz ter se inspirado no juiz italiano Giovanni Falcone, da Operação Mãos Limpas, ao ter entrado no ministério da Justiça no governo Jair Bolsonaro (PSL).

Prezados colegas magistrados federais,

A todos que me endereçaram congratulações aqui, meus agradecimentos.

Foi uma decisão muito difícil, mas ponderada.

Em Brasília, trabalharei para principalmente aprimorar o enfrentamento da corrupção e do crime organizado, com respeito à Constituição, às leis e aos direitos fundamentais.

Lembrei-me do juiz Falcone, muito melhor do que eu, que depois dos sucessos em romper a impunidade da Cosa Nostra, decidiu trocar Palermo por Roma, deixou a toga e assumiu o cargo de Diretor de Assuntos Penais no Ministério da Justiça, onde fez grande diferença mesmo em pouco tempo. Se tiver sorte, poderei fazer algo também importante.

Da minha parte, sempre terei orgulho de ter participado da Justiça Federal e os magistrados terão sempre o meu respeito e admiração. Continuem dignificando a Justiça com atuação independente (mesmo contra, se for o caso, o Ministério da Justiça).

Moro e Paulo Guedes, futuros ministros da Justiça e Economia

Especialista vê erro

Assumir o Ministério da Justiça é uma decisão “muito perigosa” tanto para o juiz Sergio Moro quanto para quem o convidou para a pasta, o futuro presidente Jair Bolsonaro (PSL), diz o cientista político italiano Alberto Vannucci. A escolha dos dois dá fortes argumentos contra a Lava Jato, levando a uma desconfiança da operação, e aprofunda a polarização no país.

Vannucci é professor da Universidade de Pisa e especialista na operação anticorrupção italiana Mani Pulite, a Mãos Limpas, que inspirou Moro e a Lava Jato brasileira. Ele é citado por Moro em um artigo sobre a operação italiana que escreveu em 2004.

A operação comandada por Moro desde março de 2014 chegou a figuras como o ex-presidente Lula, condenado pelo juiz e atualmente preso, e o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha. A prisão de Lula o impediu de concorrer à Presidência neste ano, em um pleito que acabou vencido por Jair Bolsonaro (PSL).

Nesta quinta, Moro aceitou o convite de Bolsonaro (PSL) para assumir o cargo de Ministro da Justiça de seu governo. Para Vannucci, a decisão é ruim para ambos, porque pode levar à desconfiança da operação Lava Jato e aprofundar a polarização no Brasil.

O juiz é criticado por setores da sociedade que viam alguma motivação política em seu trabalho à frente da Lava Jato e que citam, nesse sentido, episódios como a divulgação das conversas entre o ex-presidente Lula e Dilma Rousseff, quando já se sabia que ela planejava nomeá-lo como ministro-chefe da Casa Civil, em 2016.

A poucos dias do primeiro turno, a liberação da delação do ex-ministro de Lula Antonio Palocci também gerou repercussão negativa. Em resposta às críticas, Moro disse que não houve de sua parte qualquer intenção de influenciar as eleições de 2018.

Vannucci, o cientista político que estuda a Mãos Limpas, afirma que havia fortes argumentos para o juiz ter recusado o convite. “Os cidadãos que pensavam que havia uma motivação política por trás da Operação Lava Jato vão pensar o que agora, senão que estavam corretos?”, questiona.

Mãos Limpas

Em 1992, Antonio Di Pietro liderou a Mãos Limpas, que levou a um colapso do sistema político italiano, com políticos sendo presos. Em 1994, quando Berlusconi ganhou sua primeira eleição, ele convidou Di Pietro para assumir um ministério. Berlusconi convidou tanto ele quanto o juiz Piercamillo Davigo, outra figura central da Mãos Limpas.

Juiz Borrelli comandou a Mãos Limpas na Itália

A diferença principal é que os dois recusaram o convite. A razão que deram publicamente foi de que aceitar um cargo político daria a impressão ao público de que seu trabalho como juízes seguia alguma orientação política.

Di Pietro liderou outra grande investigação e, quando a terminou, deixou o cargo de juiz, no fim de 1994.

Em 1996, aceitou o cargo de ministro de Obras Públicas no governo de Romano Prodi, de centro-esquerda. Mas houve uma investigação contra Di Pietro, com alegações de corrupção. Ele deixou o cargo e, mais tarde, foi inocentado das acusações. Fundou seu próprio partido e voltou para o ministério em 2006. Mais tarde, foi senador. Mas agora abandonou sua carreira política. Agora ele é um advogado.