19 de setembro de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

PL de Bolsonaro e Valdemar quer anular só 2º turno, não o 1º, para evitar ‘tumulto’

Partido elegeu a maior bancada de deputados e senadores no 1º turno, por isso só quer saber de melar derrota de Bolsonaro

O PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, admitiu hoje ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que o relatório golpista e sem provas contra o resultado das eleições pretende anular apenas os votos  do 2º turno das eleições para evitar “grave tumulto processual”.

Curiosamente, a anulação seria apenas para a derrota de Jair Bolsonaro, candidato do partido, para o petista Lula, e não dos mais de 100 deputados federais e senadores que elegeu no 1º turno, além de outros deputados estaduais, governadores e aliados de outros partidos.

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A argumentação do partido, que quer anular votos proferidos em mais de 279 mil urnas, somente no segundo turno, é por considerar uma verificação “mais prática, objetiva e célere”. Para o partido, se o TSE de fato identificar “falhas”, o tribunal poderia então decidir para ambos os turnos.

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Entretanto, o que Alexandre de Moraes pediu ontem foi um relatório sobre as mesmas urnas, que também foram usadas no primeiro turno. “As urnas eletrônicas apontadas na petição inicial foram utilizadas tanto no primeiro turno, quanto no segundo turno das eleições de 2022”, escreveu o ministro.

Outra eleição não

Valdemar Costa Neto justificou o relatório golpista dizendo que a Lei Eleitoral permite o questionamento caso haja “indícios” de erros ou problemas no sistema eleitoral. Vale constar que desde que as urnas foram implantadas, em 1996, nunca houve comprovação de fraude no sistema.

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E apesar de pedir que sejam invalidados votos proferidos em cerca de 60% das urnas, o presidente do PL negou que a medida tenha como objetivo a realização de uma nova eleição ou impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 1º de janeiro.

Questionado nesta quarta-feira sobre a posição do derrotado Bolsonaro em relação à auditoria, Costa Neto se limitou a dizer que é de “tranquilidade total”.

Quem assina

O engenheiro eletrônico, Carlos Rocha, que assinou o estudo técnico do Partido Liberal para analisar urnas eletrônicas, se enrolou em entrevista ao UOL para explicar seu relatório. Confirmando que não falava de votos no relatório golpista, ele tenta e falha ao se explicar porque votos do 1º turno também não seriam anulados:

“Veja o seguinte. Posição difícil. Peguei um trabalhinho e não imaginei que iria tão… Aí, você pergunta: ‘Por que não compara isso com aquilo?’ Porque existe uma técnica. É como calibrar um pneu. Por que você não troca pneu com chave de fenda? Porque você precisa usar uma chave de roda”.

Apesar disso, é baseado no relatório dele que o advogado do PL, Marcelo Bessa, e o presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, anunciaram ação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que “sejam invalidados os votos decorrentes das urnas”.

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Tudo por causa de um mau funcionamento porque haveria “desconformidades irreparáveis”. Que não existem, claro.

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Convenientemente, essas mudanças beneficiariam o candidato do partido derrotado nas eleições, Jair Bolsonaro (PL), que perdeu o segundo turno para Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Cerca de 59% dos votos dos cidadãos seriam jogados fora – mas não os que elegeram bancada recorde de deputados e senadores, além de 14 governadores, no primeiro turno.

Essa constatação óbvia fez ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, cobrar dados que englobem o resultado do primeiro turno. O prazo termina hoje. Afinal, se precisam de novas eleições, porque não perder os 99 deputados federais e oito senadores eleitos no primeiro turno?

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Entrevista

Confira aqui os principais trechos da entrevista do UOL com o engenheiro Carlos Rocha, que assinou o laudo técnico das urnas usado pelo PL.

Aquela violação do sigilo do ato de votar inclui a violação do sigilo do voto?
Carlos Rocha – Não, não, não. O conteúdo, não. Aparece uma mensagem. Eu te mando o log.

Vocês vão pedir para o TSE cruzar esses dados do log da urna para identificar os equipamentos?
Não. No caso de um evento extraordinário após o pleito, o partido pode pedir uma verificação extraordinária.

O partido? O cidadão, não?
Não. Não tem nada a ver comigo. O partido nos contratou para fazer um estudo técnico. [ele é interrompido por uma pessoa, que mostra a decisão do TSE para que sejam incluídos dados do 1º turno também] Perfeito. Vamos lá. Aquilo que o PL entender que seja importante para o trabalho técnico será feito. Nosso trabalho não é contra ninguém. Ele pediu mais informações.

É analisar o log do primeiro turno…
Rocha – Mas é a mesma coisa.

Vai ser a mesma coisa?
Rocha – Mas é claro. O log é o mesmo. O log é um só. O log começa no dia em que liga a urna e termina no dia em que desliga a urna.

Tanto do primeiro como do segundo turno?
É o mesmo.

Então já pode dizer que as urnas do primeiro turno — é possível seguramente dizer isso? — que também já têm esse defeito no log?
Eu acredito que sim. São as mesmas urnas.

Então, se esse pedido do segundo turno valer para o primeiro, vai influenciar a eleição para governador, senador, deputado?
Veja o seguinte. Posição difícil. Peguei um trabalhinho e não imaginei que iria tão… Aí, você pergunta: ‘Por que não compara isso com aquilo?’ Porque existe uma técnica. É como calibrar um pneu. Por que você não troca pneu com chave de fenda? Porque você precisa usar uma chave de roda.

O professor Ivar Hartman, da FGV, disse que, se há problemas no campo do log, há problemas de auditoria, mas não de votos. Bastaria reprocessar os votos…
Eu não falei de votos. Você me ouviu falando de votos?

É o que o advogado pega [o relatório] para falar de votos
Você me viu falando de votos?

Está na petição do advogado.
Então, você pergunta para ele.

Se o senhor não falou de votos e não falou de sigilo de votos…
Essa decisão é do TSE. O que a gente faz é: usei a ferramenta. Funciona? ‘Ih, deu problema’. O que faz com esse problema. Apresenta para o TSE. Ele faz uma verificação. É assim que funciona.

Por que o senhor não falou de votos se…
Porque não cabe. A minha análise é técnica. A urna funcionou bem? Era o objetivo. Ou tem indício de mau funcionamento? Tem indício de mau funcionamento. Tá?

Logs

Valdemar Costa Neto, presidente do PL, o partido de Bolsonaro, divulgou um vídeo no final de semana afirmando que vai apresentar na terça-feira (22) um “relatório” mostrando que 250 mil urnas não poderiam ser consideradas, por não terem número de patrimônio.

E de forma sucinta, o perfil Desmentindo Bolsonaro, já citado pelo ministro Alexandre de Moraes, na ação que retirou inserções de Jair Bolsonaro na última semana das eleições como forma de direito de resposta para a campanha de Lula, desmentiu Valdemar.

Apesar de toda essa confiança e combatividade, Valdemar e o relatório de seu partido mentem.

A peça central da nova acusação é o número de patrimônio. Basicamente todo material de uma empresa deve ter um número de identificação, e este número é chamado de “Patrimônio”. O mesmo ocorrer, obviamente, com a urna eletrônica.

Como destacado pelo perfil, nas imagens abaixo no círculo vermelho, identificamos alguns exemplos da identificação do número de patrimônio nas urnas eletrônicas.

Cada urna possui um número. Essas “etiquetas” ficam localizadas na traseira das urnas. Todos os exemplos abaixo são de urnas antes de 2020.

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E por mais que PL, Valdemar e demais bolsonaristas digam o contrário, as urnas antigas são sim facilmente identificadas. Uma reportagem da Canção Nova, em 24/09/20, mostra uma parte do trabalho do TRE-MG na checagem das urnas eletrônicas que chegam até o tribunal, precisam ser carregadas com os dados e distribuídas no Estado.

Uma das verificações? Os números de patrimônio.

O exemplo de 2020 foi dado exatamente porque são estas as urnas acusadas de não serem identificadas de terem o número de patrimônio. No entanto, apesar delas ainda serem usadas nas eleições deste ano, as acusações não têm fundamento.

Aqui temos um outro exemplo mostrando o trabalho sério que ocorre nos TREs por todo o Brasil. Dessa vez uma reportagem de 21/09/22 mostrando como ocorre no TRE-DF.

Além das urnas possuírem números de patrimônio e poderem obviamente serem identificadas, cada uma delas é lacrada com lacres que permitem identificar caso venha a ocorrer qualquer tentativa de violação.

Esse vídeo do TSE explica melhor.

Sendo assim, se é tão óbvio que cada urna eletrônica possui uma “etiqueta” de número de patrimônio permitindo a sua identificação, possui diversos lacres e todo um sistema robusto de segurança onde nunca foi identificado qualquer tipo de fraude (a última vez, no papel em 1994, teve Bolsonaro no meio) o que eles vão mostrar?

Tudo indica que vão usar o tal “bug” nos registros internos que “impossibilita” a identificação do número da urna em alguns modelos antigos. Apesar disso, estão nesses logs o município, a zona e a seção eleitoral, o que facilmente identifica a urna.

Como já contornado por Marcos Simplício, em reportagem do Poder360, mesmo que o log da urna por acaso apresente na coluna de identificação o número errado, também no log é possível identificar o nº do munícipio, zona eleitoral e seção eleitoral.

Com essa informações, é possível consultar no site do TSE o boletim de urna. No exemplo da reportagem o log se refere à uma urna da cidade de Glicério (SP). O código interno identificador é o 1678997, mas no log consta o valor 67305985.

Como as urnas são seguras, os números batem

Portanto, não é o ID de urna que confere autenticidade ao arquivo de log, mas sim a assinatura digital feita pela urna sobre aquele arquivo de log. Sendo o caso, é possível concluir que não há fraude.

O relatório do PL só será entregue ao TSE amanhã, mas se sua tese for baseada nessa numeração, qualquer profissional de TI saberia que não há qualquer indício de fraude nessa questão.

Mas não importa: é mais pano pra manga e motivações vazias que fazem com que bolsonaristas sigam reunidos nas portas de quartéis, na esperança de que seu presidente derrotado democraticamente continue com seus desmandos.