8 de maio de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

Bolsolão do MEC: Prefeito relata “ânsia de vômito” com pastor pedindo propina

Em comissão no senado, prefeitos apontaram “gabinete paralelo” da pasta e pedidos R$ 15 mil a R$ 40 mil e, em um caso, até 1 kg de ouro para atender demandas

Prefeitos de diferentes cidades brasileiras narraram hoje, em comissão no Senado, que pastores sem cargos públicos pediram propina para liberação de recursos do MEC (Ministério da Educação).

Segundo relatos, o chamado “gabinete paralelo” da pasta teria pedido quantias de R$ 15 mil a R$ 40 mil e, em um caso, até 1 kg de ouro para atender às demandas. Um dele disse ter sentido “ânsia de vômito” após proposta.

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Cinco prefeitos foram ouvidos nesta manhã na Comissão de Educação sobre o suposto envolvimento de pastores sem cargos públicos no MEC, durante a gestão do ex-ministro Milton Ribeiro.

Outros quatro gestores municipais também foram convidados, mas disseram que não iriam comparecer.

Os encontros teriam ocorrido entre março e abril de 2021. Segundo os relatos, o modus operandi era parecido. Primeiro, os prefeitos eram recebidos em um encontro com o MEC, com a presença de Ribeiro, e, depois, levados pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura para restaurantes onde as propostas eram feitas.

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Ânsia

O prefeito Kelton Pinheiro (CD), de Bonfinópolis (GO), disse que, primeiro, foi procurado pelos pastores para a compra de 50 bíblias por R$ 1 mil cada. Como negou, em 11 de março de 2021, foi levado a um restaurante em Brasília, onde os dois pastores pediram uma “contribuição” para a liberação de obras.

“Quando chegou na minha mesa, o pastor Arilton me abordou de forma muito abrupta e direta, dizendo: ‘Olha, prefeito, vi aqui que seu ofício está pedindo escola de 12 salas. Essa escola deve custar R$ 7 milhões, o recurso. Mas, é o seguinte, eu preciso de R$ 15 mil na minha mão hoje. Você faz uma transferência para a minha conta, porque esse negócio de para depois não cola comigo não. Vocês políticos são um bando de malandros, que se não pegar antes, depois não paga ninguém’. Aquilo me deu ânsia de vômito. Eu fiquei sem chão, sem maneira de me comportar. ‘É R$ 15 mil porque você está com o pastor Gilmar, porque dos outros eu cobrei R$ 30 mil ou R$ 40 mil’. Kelton Pinheiro, prefeito de Bonfinópolis (GO).

Segundo prefeito Gilberto Braga (PSDB), de Luís Domingues (MA), seu encontro teria ocorrido no dia 7 de abril de 2021, em Brasília, na presença de 20 a 30 prefeitos. Moura teria abordado Braga diretamente para saber quais demandas ele teria para o MEC e, “sem pedir segredo”, requereu R$ 15 mil e 1 kg de ouro para protocolar os pedidos.

Braga disse que as demandas não foram atendidas. “Logo porque eu também não aceitei dar os R$ 15 mil para protocolar”, justificou.

Ao todo, foram aprovados os depoimentos de 21 prefeitos e do ministro interino da Educação, Victor Godoy Veiga. Como foram convidados, cada um deles pode ou não comparecer. Os depoimentos foram solicitados em requerimento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Hoje, participaram:

Presença online: Gilberto Braga (PSDB), de Luís Domingues (MA); Kelton Pinheiro (CD), de Bonfinópolis (GO); Helder Aragão (MDB), de Anajatuba (MA); José Manoel de Souza (PP), de Boa Esperança do Sul (SP); e Calvet Filho (PSC), de Rosário (MA).

Ausências: Marlene Miranda (PCdoB), de Bom Lugar (MA); Reinaldo Vilela Paranaíba Filho (PSD), de Três Corações (MG); Júnior Garimpeiro (PP), de Centro Novo (MA); e Nilson Caffer (PTB), de Guarani D’Oeste (SP).

Para quinta-feira (7), foram convidados o presidente do FNDE, Marcelo Pontes, e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura. Godoy deverá ser recebido na semana que vem, ainda sem data.

O ex-ministro da Educação Milton Ribeiro confirmou em depoimento à PF (Polícia Federal) que o presidente Jair Bolsonaro (PL) lhe pediu para receber um dos pastores acusados de negociar verbas do MEC (Ministério da Educação) para prefeitos em suposta prática de lobby.

No entanto, o ex-ministro do MEC negou que tenha tido pedido de “tratamento privilegiado” e negou a existência de um “gabinete paralelo” na pasta.

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“O presidente Jair Bolsonaro realmente pediu para que o pastor Gilmar fosse recebido, porém isso não quer dizer que o mesmo gozasse de tratamento diferenciado ou privilegiado na gestão do FNDE ou MEC, esclarecendo que como ministro recebeu inúmeras autoridades, pois ocupava cargo político”. Milton Ribeiro em depoimento à PF.

Ribeiro teria explicado que, após a primeira reunião com os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura no MEC, Bolsonaro sequer teria questionado sobre o teor da conversa: “o presidente da República jamais indagou o declarante a respeito da visita do pastor Gilmar”.

O inquérito para investigar o ministro foi aberto pela PF, a partir de uma determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), que atendeu a um pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República).

O prazo para conclusão das primeiras diligências é de 30 dias. As suspeitas são de crimes de corrupção passiva, advocacia administrativa e tráfico de influência.

Senado

Diante do não comparecimento do ex-ministro Milton Ribeiro em audiência pública prevista para esta quinta-feira (31), a Comissão de Educação (CE) debateu a criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) que apure as denúncias de tráfico de influência no Ministério da Educação (MEC).

Também foram aprovados requerimentos para ouvir o ministro interino, Victor Godoy Veiga, e prefeitos de municípios que teriam recebido propostas de participação em um esquema de corrupção na pasta.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), um dos autores do requerimento para que Ribeiro prestasse informações, afirmou que a ausência “equivale a uma assimilação de culpa”, caso o ex-ministro não traga explicação para o que qualificou de “desavergonhado tráfico de influência, o mais explícito da história desta República”: