Já entrando para um mês de quarentena, dona Nildinha olha a geladeira e nada para comer. Vai à dispensa e se assusta. Só um pacote de farinha de mandioca, duas linguiças defumadas e outro pacote de feijão preto.
Passou a resmungar contra o mundo, o vírus, o bozo e até o neto, Considerado, que come feito cão sem dono. Comprar é preciso. Afinal, nesse estágio de confinamento o que mais se faz da vida é comer, beber, dormir, mas tem que pagar.
Ela com visita em casa, pois mandou buscar a Cega Dedé, lá em Paulo Jacinto, para ficar de olho na velhinha que vive só. A ceguinha estava querendo comer um cuscuz com guisado de bode. Nildinha teve que dizer-lhe que estava faltando tudo. -Então vamos comprar. -Dedé animou-se. -Não podemos sair ceguinha, estamos de quarentena. Mas, vou mandar o Considerado no supermercado. -Melhor na venda do Né Bodeiro, tem de tudo lá. – Insistiu a velhinha crente que estava em PJ.
Nildinha fez de conta que não ouviu e gritou para o sobrinho. Disse-lhe que ia fazer uma relação de compras para que ele fosse ao supermercado. O neto reagiu: -Melhor não, vó. -Como melhor não, você não come não? – A vó, já enfezada. -Não se trata disso dona Nildinha, a senhora faz a relação eu ligo para o supermercado e peço delivery. -Considerado, além da preguiça, mostrou-se prudente.
Fez questão dizer que não era bom sair por que as duas eram de alto risco e ele saindo poderia contaminá-las. Nildinha entendeu e decidiu seguir a modernidade. Manda a lista pelo WhastApp e o supermercado entrega a feira em casa.
Ditou a relação e incluiu a carne de bode de Dedé, duas garrafas de vinho Syrah e mais duas caixas de cerveja puro malte. Antenada, ouvindo a lista, a Cega Dedé gritou: -E uma garrafa de Mucuri! -O que diabo é isso ceguinha? Indagou o Considerado. -Minha água de oração. -Disse-lhe.
Nildinha explicou que aqui não tinha Mucuri – uma cachaça antiga que foi muito famosa no interior alagoano. -Que lugar mais atrasado é este? Na bodega do Né Bodeiro eu sei que tem. -Protestou anciã. – É muito longe daqui Dedé. -Desarmou Nildinha, mandando o neto inserir na lista uma garrafa de Pitu. Afinal, a ceguinha não ia sentir a diferença.
Para acalmar nais a ceguinha, Considerado ainda ligou para o amigo Batoré, que estava às escondidas no bar do Lula Manguito, e pediu que mandassem para casa da vó uma porção de carneiro com feijão verde. Lá eles também estão com delivery. Afinal, a feira vai demorar.
-Oh, Considerado e o Batoré está fazendo o quê em um bar? – Perguntou Nildinha.
-Vó, tem um grupo da turma do Gabi, que quando não está no Lula vai ao próprio bar do Gabiru.
-E eles estão abrindo?
-Abrem pra fazer entrega. Mas, nos dois casos, o Davan Tonelada arranjou espaço para ficarem bebendo escondidos. Uns loucos.
-Meu Deus… Loucos mesmo. E onde anda meu amigo Caturité?
-Grupo de risco, está em casa, triste…
-Coitado, deve estar sofrendo demais.
-Por quê, vó?
-Aquela mulher dele é uma serpente…
-Que é isso, dona linguaruda, eles se amam.
-É. Exatamente como essa turma de vocês. Não para de ter confusão.
-O pior é que o Pastor, aquele grileiro de Joaquim Gomes, rompeu com o grupo por causa da política.
-O que houve?
-Lá é quase tudo seguidor do Bozo. O pastor também, mas saiu por que achou que estavam exagerando em todas as conversas.
-Menos mal.
-Mas, no lugar dele ficou o Corregedor. Uma mala sem alça.
-Corregedor da justiça?
-Ele diz que é de uma instituição aí, mas eu acho que está mais para corregedor do Mercado Público.
-Minha nossa, daquela zona?
-Vó… É melhor a gente ir buscar a Mucuri da Ceguinha…