20 de setembro de 2024Informação, independência e credibilidade
Justiça

Desistiu de vencer nas urnas: PL de Bolsonaro divulga documento mentiroso sobre sistema eleitoral

Com sistema digital confiável, Bolsonaro foi peça central em suspeita de fraude em 1994 com irregularidades nas urnas de papel, no que ficou conhecido como “Roubo no Varejo”

Jair Bolsonaro e o presidente de seu partido, Valdemar Costa Neto

Em nota divulgada à imprensa pelo vice-presidente do PL, Capitão Augusto, o partido do presidente Jair Bolsonaro afirma haver série de falhas no TSE que podem afetar o resultado das eleições, citando como base em uma auditoria feita pelo partido.

O documento é apócrifo –ou seja, não é assinado por ninguém. O documento estava pronto desde 19 de setembro, mas só veio a público nesta quarta-feira (28), a quatro dias do primeiro turno.

“A auditoria do Partido Liberal (PL) utilizou uma lista de avaliação e controles com 215 questões propostas com base no Anexo A da norma ABNT de Sistemas de Gestão da Segurança da Informação – Requisitos (NBR ISO IEC 27001 de 2013). O TSE satisfaz plenamente apenas 5% dos requisitos para atender à certificação por esta norma de segurança. Ao todo, foram 24 itens identificados como falhas, quando confrontados com a Constituição Federal, leis, resoluções, normas técnicas e boas práticas, detalhados no Relatório de Auditoria de Conformidade do PL no TSE”. Trecho do documento.

Para meio entender, fica evidente que a campanha de Jair Bolsonaro lançou o aviso formal de que o presidente tentará tumultuar a eleição e que não vai aceitar de forma alguma o resultado nas urnas. Isso porque o presidente jura de pés juntos que venceria já no primeiro turno, enquanto que todas as pesquisas apontam liderança do petista Lula (que pode vencer sem precisar de segundo turno).

Curiosamente, no mesmo dia, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, reiterou usa confiança nas urnas eletrônicas durante encontro com o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, em visita às salas de apuração. Segundo Valdemar, o partido não vai “criar problemas”.

Leia mais: Autoridades visitam TSE e presidente do partido de Bolsonaro afirma: “não existe sala secreta”

Valdemar pode não ter interesse pessoal em melar as eleições, mas é cúmplice do presidente. Ele atendeu a um pedido de Bolsonaro para contratar uma auditoria e encomendar o parecer mais previsível do ano.

O relatório faz o suficiente para confundir o eleitor e alimentar suspeitas, falando em”extrema insuficiência” de mecanismos de governança, afirma que funcionários terceirizados do TSE representam “um risco substancial” e diz até que servidores podem ser alvo de uma “coação irresistível” para manipular os resultados da votação.

TSE

O TSE informou, por meio de nota, que as informações do PL “são falsas e mentirosas e sem nenhum amparo na realidade” e o ministro Alexandre de Moraes já mandou anexar o documento ao inquérito das fake news para a apuração criminal dos idealizadores da nota.

Em nota, o tribunal que ataques às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral brasileiro são objetos de investigação no Supremo Tribunal Federal (STF) e já resultaram em “rigorosas providências” por parte da Justiça Eleitoral, citando a cassação do deputado estadual Fernando Francischini por causa da divulgação de desinformação sobre as urnas.

Veja a nota na íntegra:

“As conclusões do documento intitulado “resultados da auditoria de conformidade do PL no TSE” são falsas e mentirosas, sem nenhum amparo na realidade, reunindo informações fraudulentas e atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao Poder Judiciário, em especial a Justiça Eleitoral, em clara tentativa de embaraçar e tumultuar o curso natural do processo eleitoral.

Diversos dos elementos fraudulentos constantes do referido “documento” são objetos de investigações, inclusive nos autos do Inquérito n. 4.781/DF, em tramitação no Supremo Tribunal Federal, relativamente à fake news e, também, já acarretaram rigorosas providências por parte do Tribunal Superior Eleitoral, que decidiu pela cassação do diploma de parlamentar na hipótese de divulgação de fatos notoriamente inverídicos sobre fraudes inexistentes nas urnas eletrônicas (Recurso Ordinário Eleitoral n. 0603975-98.2018.6.16.0000/PR).

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, determinou a imediata remessa do documento ao Inquérito nº 4.781/DF, para apuração de responsabilidade criminal de seus idealizadores – uma vez que é apócrifo –, bem como seu envio à Corregedoria Geral Eleitoral para instauração de procedimento administrativo e apuração de responsabilidade do Partido Liberal e seus dirigentes, em eventual desvio de finalidade na utilização de recursos do fundo partidário.”

1994

Desde que as urnas eletrônicas foram implementadas —parcialmente em 1996 e 1998, e integralmente a partir de 2000— nunca houve comprovação de fraude nas eleições brasileiras, mesmo quando os resultados foram contestados. A segurança da votação é constatada pelo TSE, pelo MPE (Ministério Público Eleitoral) e por estudos independentes.

Em outubro, o TCU (Tribunal de Contas da União) emitiu um relatório técnico reforçando que as urnas são seguras e auditáveis, e que a impressão do voto traria riscos e exigiria recursos que não estão disponíveis atualmente na Justiça Eleitoral.

Com data de 17 de novembro de 1994, a página 5 do Jornal do Brasil, no caderno de Política e Governo, tinha como grande matéria o fato de o voto em branco facilitar a fraude na votação daquele ano. Ainda em urnas com cédulas de papel.

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E curiosamente, em uma nota chamada “Roubo no ‘Varejo’”, juízes de sessões eleitorais davam quantidade e nomes de candidatos beneficiados com as fraudes. Um dos nomes beneficiados era do então deputado federal Jair Bolsonaro:

Caso os apoiadores que estejam “fechados com Bolsonaro” duvidem da veracidade do print, a matéria é verdadeira, como pode ser conferida aqui nesse link. Peculiarmente, tão verdade quando Bolsonaro elogiando Hugo Chávez e dizendo que comunismo é coisa do ‘meio militar’.

A eleição noticiada chegou a ser anulada e uma segunda votação foi realizada. Em 1996, porém, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) restabeleceu o resultado do primeiro pleito por entender que a maioria dos votos foi válida.

Portanto, Bolsonaro não se beneficiou de fraude eleitoral em 1994, mas o voto impresso não deixou o pleito mais idôneo. Longe disso. De acordo com especialistas consultados pela reportagem, as fraudes no período foram facilitadas pelo fato do voto ser impresso. Os métodos para fraudar eram inúmeros:

  • cédulas depositadas em branco nas urnas pelos eleitores poderiam ser preenchidas irregularmente durante a apuração;
  • lotes inteiros de cédulas não utilizadas poderiam ser extraviadas;
  • os formulários chamados “boletins de urnas” poderiam ser alterados após a apuração com informações falsas, tidas como autênticas por não haver registro eletrônico.