29 de março de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Drogas: Ministro da Cidadania “não confia” em estudo de 500 pesquisadores

Por não concordar com resultados, Osmar Terra engavetou estudo de 16 mil entrevistas com 500 pesquisadores para desenvolve

Brasília – Entrevista coletiva com o ministro do Desenvolvimento Agrário Osmar Terra (Valter Campanato/Agência Brasil)

Durante três anos, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) fez 16 mil entrevistas com 500 pesquisadores para desenvolver o 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira.

Este, um censo do consumo de substâncias lícitas e ilícitas no Brasil, custou R$ 7 milhões, pagos pelo governo. Mas acabou sendo engavetado pelo mesmo, já que a Fiocruz foi impedida de divulga-lo. O estudo teria sido engavetado porque não confirma a existência de uma epidemia de drogas no país, e vai de encontro com o achismo do ministro da Cidadania, Osmar Terra.

E embora a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas ( Senad ), órgão ligado ao Ministério da Justiça, alegue que a pesquisa não é divulgada porque a Fiocruz não teria cumprido exigências do edital, o próprio Osmar Terra parece confirmar o que suspeitam os especialistas ao atacar a instituição e alegar que a pesquisa não comprova o que se vê “nas ruas”:

“Eu não confio nas pesquisas da Fiocruz. Se tu falares para as mães desses meninos drogados pelo Brasil que a Fiocruz diz que não tem uma epidemia de drogas , elas vão dar risada. É óbvio para a população que tem uma epidemia de drogas nas ruas. Eu andei nas ruas de Copacabana, e estavam vazias. Se isso não é uma epidemia de violência que tem a ver com as drogas, eu não entendo mais nada. Temos que nos basear em evidências”. Osmar Terra, ministro da Cidadania.

A Fiocruz compilou evidências que poderiam balizar políticas públicas sobre drogas e reafirma seu prestígio internacional, justamente por seu rigor científico. Osmar Terra não concordou: “É prestigiada para fazer vacina, para fazer pesquisa de medicamento. Agora, para droga, ela tem um viés ideológico de liberação das drogas”.

Osmar Terra tem tomado a frente das política sobre drogas no governo Bolsonaro

Osmar Terra tem tomado à frente quando se trata da política sobre drogas no governo Bolsonaro. Ele é um dos autores do decreto, assinado em abril passado, da nova Política Nacional sobre Drogas (Pnad) , que prevê foco em abstinência no tratamento de dependentes químicos. Ele também comemorou aprovação no senado de PL que altera a Lei de Drogas e inclui a internação involuntária para dependentes.

Fiocruz responde

Em resposta, a Fiocruz divulgou comunicado no qual defende sua metologia, que foi inclusive aprovada para o Joint Statistical Meeting de 2018, uma das maiores e mais importantes conferências sobre métodos estatísticos no mundo.

O pesquisador Francisco Inácio Bastos, coordenador do levantamento, foi designado “core member” do grupo consultor da ONU em uso de drogas injetáveis e AIDS. Professor honorário da Graduate School of Public Health, da Universidade de San Diego, nos EUA, ele recebeu o prêmio de “Outstading Reviewer” (revisor de qualidade excepcional) do CPDD ( College on Problems of Drug Dependence ).

Segundo a Fiocruz, “o 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira é mais robusto e abrangente que os dois anteriores, pois inclui, além dos pouco mais de 100 municípios de maior porte presentes nos anteriores, municípios de médio e pequeno porte, áreas rurais e faixas de fronteira”.

Ainda de acordo com comunicado da instituição, “essa abrangência só foi possível graças à utilização, exigida no próprio edital, do mesmo plano amostral adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para realização da já reconhecida Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)”. Tal plano “permite um cruzamento desses resultados com dados oficiais do país”, diz a nota da Fiocruz.