19 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Maceió

Médicos da Santa Casa de Maceió contam a experiência de tratar o desconhecido

Falta de parâmetro ventilatório, evolução rápida para casos graves e o medo de levar a doença para casa fazem parte da rotina dos profissionais

Décadas atrás, quando fizeram o juramento de Hipócrates, médicos recém-formados não imaginavam o que estava por vir: uma pandemia que iria testar limites e contrariar muito daquilo que haviam aprendido ao longo dos anos.

A Santa Casa de Maceió conta com um time multidisciplinar que atua na linha de frente no combate ao novo coronavírus (Covid-19). Os médicos da instituição são desafiados diariamente e, até o domingo (31), cuidavam de 145 pacientes internados com a doença, 40 deles na UTI.

Fábio Lima foi um dos médicos que atendeu os primeiro pacientes com covid-19

Para o médico intensivista Fábio Lima, a nova realidade lhe foi apresentada no final de fevereiro. O que deveria ser alguns dias de tratamento de uma síndrome gripal, chegou a marca de 26 dias na UTI, 21 deles de intubação, de um dos primeiros pacientes que atendeu com a doença.

“Lembro muito bem quando recebi o casal. Marido e mulher foram contaminados na Itália e chegaram doentes em Maceió. A esposa logo recebeu alta, mas ele precisou ser entubado e foi um desafio por três semanas. Quando chegaram só havia mais um paciente na UTI, o que nos permitiu momentos de “calma” para conhecer os efeitos que o vírus tinha sobre o corpo. Quando ele recebeu alta foi uma vitória. Mas os desafios só crescem com o número de pacientes que chegam para tratamento”. Fábio Lima, intensivista.

A sensação de encontrar o desconhecido também foi o sentimento da médica Solange Novelli.

“A UTI Neurológica do hospital foi a primeira unidade a atender pacientes com a covid-19. Os desafios foram enormes, pois o receio do desconhecido era imenso. Nossa geração nunca enfrentou nada parecido, com dúvidas quanto à terapia instituída, quanto ao contágio e quanto à condução adequada dos casos. Mas, a partir da primeira experiência, e, principalmente, por ter apresentado um desfecho positivo, nos tornamos mais confiantes e principalmente mais seguros na condução dos casos”, Solange Novelli, geriatra.

Um dos desafios iniciais era acertar o ponto de oxigenação com o ventilador mecânico. Para pacientes com problemas graves respiratórios, os protocolos instituídos conseguiam dar o suporte esperado e a probabilidade de um resultado positivo existia. Com a covid-19 quase tudo mudou.

“O mais angustiante é que não tínhamos parâmetros de ventilação adequados. Quando temos pacientes que entram por insuficiência respiratória estávamos acostumados a entubar, colocar no respirador, fazer antibióticos ou não e o restante a natureza se encarregava, isso mudou completamente. Tivemos dias muito difíceis com primeiro paciente grave. Nesse período, não entendíamos o tempo lento de recuperação da doença. Tivemos que mudar conceitos, modos ventilatórios, tipos de ventilação da assistência da fisioterapia. É um paciente totalmente diverso do que já tínhamos enfrentado”. Fábio Lima.

A geriatra e neurointensivista Solange Novelli está na linha de frente contra o novo coronavírus

Para atender novos pacientes com covid-19, a Santa Casa de Maceió se preparou criando novos fluxos e protocolos. De forma organizada, eficiente e com embasamento científico e na experiência de outros países.

No período de 26 de fevereiro até a quinta-feira (28), 2122 pessoas com síndrome gripal foram atendidas pela instituição. Destas, 898 tiveram resultado positivo para o novo coronavírus. Nesses três meses, 161 pacientes receberam alta.

“Nossa equipe se destaca também pelo comprometimento, união e a solidariedade de todos os setores do hospital: corpo clínico, funcionários e direção. Todos envolvidos em prol do sucesso do atendimento e suprimento de todas as demandas. É muito gratificante fazer parte de todo esse processo”. Solange Novelli.

Pouco mais de três meses do início da pandemia de covid-19, no país, mais de 100 médicos vieram a óbito por conta da doença. O medo passou a fazer parte do dia a dia de quem atua na linha de frente.

“Os médicos precisam entender que ao se contaminar, pode levar para a doença para sua família, vai deixar de atender famílias e também sobrecarregar um colega. Tivemos um período em que cinco dos 10 médicos da clínica médica ficaram doentes e foram afastados. Quem ficou, teve que dar conta no serviço. Felizmente não adoeci, mas tem uma hora que você olha para um lado e para o outro e se pergunta quando isso vai acabar. Pelas estatísticas, sabemos do tempo que ainda vem pela frente. A pressão é grande. O medo de estar contaminado vai ocorrer todos os dias. Mas Deus está olhando para todo mundo para podermos seguir a missão”. Fábio Lima, intensivista.

Solange admite que seu maior medo é contrair a forma grave da doença, mas que isso já assustou mais.

“Era algo que sentia logo no início. Antes de adentrar a UTI onde trabalho tive vontade de dar meia volta e recuar. Mas nunca o fiz. O senso de responsabilidade e o amor pelo que faço sempre falaram mais alto. Quando estou ali, durante o plantão, esqueço os receios e procuro dar o melhor de mim. Quanto aos meus amigos, todos fogem de mim com medo (risos). Mas entendo. Já atendi amigos e familiares de amigos, mas tento sempre ser profissional, sem me esquecer do conforto e carinho que a amizade requer”. Solange Novelli.

Para o intensivista Fábio Lima, a população precisa entender que há um limite técnico, físico, estrutural e até de organização das estruturas de saúde de um modo geral, para atender novos casos de covid-19.

“Só temos uma chance contra essa doença: manter o menor número de pessoas nas ruas para diminuir a transmissão do vírus e proteger os de casa. As pessoas não podem chegar aos montes nos hospitais, pois não há atendimento para todos e os médicos podem ser obrigados a fazer a “escolha de Sofia”, e isso é um terror ter que escolher quem você vai salvar ou não”. Fábio Lima.