“Eu não quero mais que ele seja o meu pai. E a próxima vez que aquele homem bater na minha mãe, vou matá-lo. Já durmo com uma faca embaixo do meu travesseiro. Para mim, ele deixou de ser a figura paterna faz tempo, hoje é apenas o cara que bate na nossa mãe o tempo todo quando está em casa”.
O relato é do adolescente P.S., de 15 anos, que não aparece nas estatísticas oficiais, mas é uma vítima silenciosa da violência doméstica e familiar que, somente nos últimos dois anos, já atingiu quase 5 mil mulheres em Alagoas.
E assim como P.S., outras tantas crianças e adolescentes também já carregam na alma as marcas das agressões sofridas por suas mães.
É por isso que, agora em 2018, a campanha “Agosto Lilás” do Ministério Público Estadual de Alagoas (MPE/AL), abordará essa segunda vítima dos relacionamentos abusivos: o filho.
A campanha se estenderá por todo este mês, ocupará plataformas multimídias e mostrará, além dos traumas vivenciados por toda a família dentro de casa, os dados alarmantes que envolvem a violência contra a mulher aqui no estado.
Casos só crescem
Os números registrados somente na 38ª Promotoria de Justiça da Capital, que tem atribuição para atuar no combate e prevenção à violência doméstica e familiar contra a mulher, assustam. São tentativas de homicídio, estupro, lesão corporal, ameaça, calúnia, difamação, injúria, dano e incêndio.
Em 2017, os números cresceram em 23,5% se comparados com 2016, tendo atingido a marca de 2.093 denúncias ajuizadas pelo Ministério Público Estadual de Alagoas. Só os crimes de ameaça e lesão corporal, que são os mais comuns, os registros apontam aumento de 35,8% para os casos de ameaça, que subiram de 712 em 2016 para 967, ano passado.
Já o ilícito penal de lesão corporal saltou de 921 para 974, o que representou um crescimento de cerca de 6%.
Agora em 2018, os dados continuam crescentes. Foram 700 casos de violência contra a mulher sob a forma da Lei Maria da Penha, norma jurídica que já existe há 12 anos, sancionada em agosto de 2006 para recrudescer a punição contra o criminoso que submete a vítima a uma relação abusiva. Até o momento, somente em Maceió, foram 339 ações penais por ameaça, 300 por lesão corporal, 29 por crime de injúria e 15 por difamação.
E chamou atenção do MPE/AL o aumento nas estatísticas de tentativa de feminicídio. Foram quatro em 2016, três em 2017 e, neste ano de 2018, já são oito casos. Ou seja, em apenas um semestre, os números conseguiram ser superiores a soma dos registros dos dois anos anteriores.
Agosto Lilás
A campanha Agosto Lilás do Ministério Público vai reunir uma série de atividades e será compartilhada com o público por meio de diversas plataformas digitais e pelas redes sociais da instituição: Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.
Os relatos que irão às redes sociais do Ministério Público vão ser divididos. A cada semana, a população poderá conhecer a história de uma criança ou adolescente que cresceu assistindo as consequências negativas de um relacionamento abusivo.
Além do comercial e dos vídeos, o Ministério Público irá às ruas. Nesta segunda-feira (6), uma tenda montada no Alto do Ipioca será palco do lançamento do Agosto Lilás.
Por lá, a chefia do Ministério Público, promotores de justiça e servidores do MPE/AL vão distribuir cartazes e panfletos e conversarão com a população sobre a importância da denúncia contra os homens que praticaram as mais diferentes formas de agressão.
Na ocasião, também serão distribuídos laços lilases com o público. E além desse bairro, ainda haverá atividades externas no Benedito Bentes e Vergel do Lago, e nos municípios de União dos Palmares e Pilar.
Agosto foi escolhido para discutir o tema porque é o mesmo mês da sanção da Lei Maria da Penha. Já a cor lilás é aquela adotada pelo feminismo no mundo.
Maria da Penha
Pela legislação, configura-se violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão, baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. O Ministério Público tem atribuição para atuar em qualquer uma dessas situações.
Nesta segunda, a Lei Maria da Penha completa 12 anos. Criada para proteger a mulher em situação de violência, a norma trouxe ao Brasil mudanças significativas, tendo acabado com sentenças alternativas com doação de cestas básicas e aplicação de pena só de multa, permitido prisões preventivas e estabelecido medidas protetivas de urgência, que vão desde a remoção do agressor do domicílio à proibição de sua aproximação da mulher agredida, entre outras condições.