6 de maio de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

Novo presidente do Ipea defende armas e critica estudo feito pelo próprio instituto

Atlas da Violência mostra que o Estatuto do Desarmamento, de 2003 teria ajudado a reduzir números; Doellinger revisou números em menos de 24 horas

Carlos Von Doellinger não concordou com dados mostrarem o desarmamento em 2003 ajudarem a reduzir índices de violência no Brasil

Novo presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o economista Carlos Von Doellinge, criticou um dos principais pontos da quarta edição do estudo chamado de Atlas da Violência, uma parceria da fundação federal com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Não só isso: na coletiva de lançamento da pesquisa nesta segunda-feira, no Rio, ele afirmou que gostaria de fazer um “reparo” num dos trechos que trata sobre as mortes por arma de fogo.

O nome de Von Doellinger, que se disse a favor da posse e do porte de armas, foi sugerido pelo ministro da Economia Paulo Guedes ao presidente Jair Bolsonaro em novembro do ano passado. A nomeação dele aconteceu em março.

Dados

O percentual de assassinatos com uso de arma de fogo atingiu o maior patamar já registrado no país e chegou a 72,4% dos homicídios do país em 2017, segundo números do Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que usa números do SIM (Sistema de Informações de Mortalidade), do Ministério da Saúde.

Ao todo, 47.510 pessoas foram assassinadas por arma de fogo em 2017 –o maior número absoluto registrado na história dos dados de homicídios brasileiros. O SIM traz informações sobre letalidade desde 1980, quando a taxa de mortes violentas por arma de fogo era de apenas 43,9%.

Em comparação a 2016, a participação das armas de fogo como instrumento do crime passou de 71,1% para 72,4%. Já em números absolutos houve uma alta de 6% no total de homicídios com uso de arma de fogo. Em uma década, o número de mortes por armas de fogo saltou 26% (foram 34.147 em 2007).

A “ressalva”

O presidente do Ipea destacou dados que pontuou como expressivos (como os do PIB gastos com segurança em 2016), ressaltou que os dados são referentes ao ano de 2017 e não têm relação “com as prioridades do atual governo” e pediu licença aos pesquisadores responsáveis pelo Atlas da Violência para expressar a própria opinião sobre armas.

Elas são um tema abordado expressivamente no estudo (são citadas mais de 40 vezes) e foram objeto de um dos dados mais explorados pelos autores: o crescimento do número de mortos por disparos, que teve uma alta de 6,8 em 2017.

Faço apenas um reparo, um apontamento sobre o estudo trata a relação sobre o número de armas em circulação e o aumento da criminalidade. Como cidadão, me incomoda a impossibilidade do cidadão de bem, sem antecedentes, ter uma forma de defender a integridade física, de sua propriedade e da sua família. Acho que esse é um direito do cidadão”. Von Doellinger, novo presidente do Ipea.

O presidente do Ipea relatou uma experiência vivida em Angola onde, segundo ele, os números de homicídios se mantiveram baixos mesmo diante da população armada. Os culpados por levar a criminalidade para o país africano teriam sido traficantes brasileiros.

“A taxa de homicídio era baixíssima no país quando todos andavam armados. Anos depois, começou a aparecer a criminalidade. Os ministros me disseram que os brasileiros trouxeram um negócio de drogas e o povo começou a consumir. E a criminalidade começou a surgir, era praticamente desconhecida. O governo de lá resolveu adotar normas rigorosas de repressão ao tráfico e a polícia não tem muito esse negócio de direitos humanos. Conseguiram reprimir as taxas de criminalidade e elas caíram novamente. Von Doellinger.

O Atlas da Violência mostra que o Estatuto do Desarmamento, de 2003, foi um dos fatores que ajudaram a conter o aumento da taxa de homicídios no Brasil. Embora ela siga crescendo, segundo os pesquisadores, a alta poderia ser muito maior se houvesse mais armas em circulação.

De acordo com a assessoria de imprensa do Ipea, o presidente da fundação conheceu os resultados do estudo no início da noite de terça-feira, menos de 24h antes do evento.