19 de setembro de 2024Informação, independência e credibilidade
Opinião

Polícia teria atirado primeiro e matado reféns no Ceará

Sequestro durante tentativa de assalto a dois bancos terminou com 5 reféns e 6 bandidos mortos

Neste final de semana, uma tentativa de assalto a duas agências bancárias, acabou com pelo menos 13 pessoas mortas, entre eles seis reféns, sendo duas crianças, entre 10 e 13 anos. Cinco deles eram da mesma família.

E uma das sobreviventes disse que a polícia chegou atirando:

“A polícia chegou atirando, sem olhar que éramos reféns, como se todos fossem bandidos. Foi tão rápido que senti minha pele arder com os estilhaços, mas não tinha visto que minha filha tinha levado um tiro. O assaltante não atirou, ele tinha dito que não ia nos machucar, que só precisaria da gente para uma missão”.

Ela afirma que os policiais alvejaram a parte frontal do veículo em que ela e a filha Francisca eram mantidas reféns. Segundo o relato, os suspeitos não haviam disparado. Quatro marcas de tiro estampam o carro.

A SSPDS (Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social) disse que “as circunstâncias da ocorrência estão sendo investigadas pela Polícia Civil. Mais informações serão repassadas em momento oportuno para não comprometer o andamento dos trabalhos investigativos”.

A investigação deve averiguar se a polícia havia tentado negociar a liberação de reféns ou se ao menos sabia da existência deles, antes de chegarem atirando.

Bandido Bom

Policiais são mal pagos, apesar de todos os dias serem colocados na linha de frente contra o pior da sociedade. E o Brasil é um país violento, superando 60 mil assassinatos por ano, com uma população cansada diante da situação de insegurança.

E nestes momentos surgem as ações imediatas e extremas, como o mantra do “bandido bom é bandido morto” e que os Direitos Humanos não protegem o cidadão de bem.

Eleito com linguagem forte contra corrupção, ideologia de esquerda e crimes violentos, Jair Bolsonaro adora simular armas com as mãos e defende que policiais tenham “carta branca” para matar. Para ele, “o policial que não atira em ninguém e atiram nele não é policial”.

Na última semana, uma senhora de 84 anos fora feita de refém e um policial aproveitou oportunidade para disparar e matar o bandido. Foi uma situação extrema, tecnicamente correta diante da situação apresentada, enquanto que Bolsonaro, formador de opinião, não teceu meias palavras:

Esta influência foi forte nas eleições de São Paulo (o governador eleito João Dória quer que policiais atirem pra matar) e no Rio de Janeiro (o o governador eleito Wilson Witzel já tem a icônica frase “A polícia vai mirar na cabecinha e… Fogo”).

O discurso seria o de que matando os bandidos, os cidadão de bem, os “homens de família” estariam seguros. A intenção tortuosa é louvável, mas não tem bons resultados. Ainda mais quando reféns ou transeuntes inocentes estão na linha de fogo.

Há poucos dias da eleição deste ano, um militar aposentado atirou à distância contra sequestradores que estavam com reféns em seu poder. Por sorte, ninguém foi atingido.

Em agosto, outro caso emblemático. No Rio de Janeiro um carro roubado em abril foi recuperado, mas no sistema da PM o veículo ainda constava como furtado, quando visto nas ruas. Agentes viram a placa e ordenaram a parada. O marido, que estava no volante, obedeceu à ordem, mas assim mesmo um agente atirou e acertou sua esposa na cabeça. Ela morreu. O policial atirou primeiro e perguntou depois.

E em Alagoas, no mês de novembro, o deputado Paulão (PT) pediu investigações sobre a ação que terminou com 11 mortos durante a operação Cavalo de Tróia. Em nota, a Associação da Policia Civil de Alagoas (ASPOL), quando diz que a ação policial, além de legítima, foi montada com a integralização das polícias atendendo assim os anseios da contemporaneidade da Segurança Pública”.

Ele foi criticado pelo deputado estadual João Beltrão (PRTB). Disse que Paulão precisava de uma “pisa boa” por “defender bandidos”. Não só foi um pedido de investigação, após as 11 mortes, como vale lembrar que Beltrão é acusado de ser o mandante do assassinato de um militar em maio de 1996. E seu filho Thalys, irmão de Marx Beltrão, é acusado de chefiar uma quadrilha.

Mais inocentes morrem

O discurso de que investimento em educação reduz a criminalidade é considerado de esquerda, portanto ignorado pelo novo governo. As soluções são imediatistas, pragmáticas, extremas: se todos os bandidos forem mortos, não haverá mais bandidos e as pessoas de bem ficarão salvas.

O problema é que as ações policiais ocorrem ao redor de pessoas de bem. Quando se estimula o “bandido bom, é bandido morto”, criminosos ficariam de vez cientes de que, ao infligirem a lei, estariam com um alvo na cabeça. E não pensariam duas vezes em fazer o mesmo com inocentes.

E a falta de informação ou o dedo nervoso no gatilho resultaria na morte de muitos inocentes, como nos casos relatados neste texto. Sim, há casos em que uma ação só termina com a segurança integral de reféns com a morte de bandidos. Mas não são em todos os casos.

E infelizmente os momentos em que policiais terminam matando apenas os bandidos viram via de regra. O policial que salvou a senhora de um sequestrador no Rio de Janeiro foi congratulado por Bolsonaro. Mas ele não teceu nenhum comentário sobre os inocentes mortos. Ao menos, não enquanto presidente eleito. E os inocentes continuarão morrendo.