20 de setembro de 2024Informação, independência e credibilidade
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Pra não dizer que não falei de flores, o censor da ditadura na redação da Gazeta

Márcio Canuto, driblava, negociava, mas o velho censor sempre chegava às 19 horas, em ponto.

 

Pra não dizer que não falei de flores…

Era 1981, quando o editor geral da Gazeta de Alagoas, Márcio Canuto, chama dois jovens repórteres da redação do Jornal de Alagoas para compor sua equipe no prédio da Durval de Góes Monteiro, onde ele estava sofrendo baixas com o surgimento da Tribuna de Alagoas.

Eis que para lá fomos eu e o recém chegado do Recife, José Edson Falcão Maia, que havia passado no concurso de professor do curso de Comunicação Social da Ufal. Maia, um filho da Viçosa de texto limpo e firme. E eu um vizinho de Paulo Jacinto, ansioso no aprendizado.

O maior desfalque na redação da Gazeta foi o do jornalista Dênis Agra, que era chefe de reportagem, editor substituto e deixou a casa para ser o editor geral do novo jornal.

Dênis fora convocado pelo menestrel Teotônio Vilela, senador, e pelo visionário Noaldo Dantas, este escalado para ser o executivo da Tribuna,  uma publicação revolucionária do ponto de vista editorial, capaz de enfrentar e driblar a censura imposta pela ditadura militar.

A censura dos meios de comunicação à época era diária. Os censores eram agentes escalados pela Polícia Federal para checar os noticiários de rádios, jornais e TVs, dentro das redações.

-Tira essa aqui. – Dizia o censor. O Márcio reagia: -Não pode, essa já está no fotolito. O censor reage: -Pode sim. Vamos lá queimar o fotolito. -Espera aí: Você quer incendiar o parque gráfico, a impressora? Era a briga diária do editor.

Sempre às 19 horas, de segunda à sexta-feira, a Gazeta recebia a visita do censor. Um sujeito alto, branco, calvo, conhecido como “Seu Porto”.

Ele sentava com o editor geral, o diagramador chefe, inspecionava todos os espelhos de páginas. Se houvesse alguma notícia que contrariasse os interesses do governo militar, a missão do censor era arrancar da página. E o autor, logo, era relacionado no rol dos subversivos.

Quando batia 18h45, Márcio Canuto chamava todos os editores de páginas e pedia o relatório do que estava sendo feito. E o fazia com o vozeirão de sempre, bem ao estilo megafone.

O noticiário político e as editorias nacional e internacional, eram as mais visadas. Eu fui convocado para ser repórter geral, mas trabalhava quase sempre cumprindo pautas políticas. Na pauta já era orientado para esquecer de falar de usineiros e políticos biônicos – esses não eram eleitos, mas nomeados pela ditadura.

O noticiário nacional era editado por um jovem cabeludo, rebelde, Plínio Lins. Já o internacional era de responsabilidade de Stéfane Brito Lins, mais quieto. Não eram parentes. Plínio, carioca; Stéfane, baiano. Foi mais um que veio para Maceió também para ser professor de Comunicação na Ufal.

O censor já havia catalogado os dois: um como leninista e o outro como trotskista.

A missão de Canuto era driblar o censor, negociar para que o jornal não tivesse sua edição empastelada. Às 18h57, uma grande parte da redação se levantava e ficava em pé olhando para a sala do editor geral só para assistir à chegada do censor.

A porta se abria pontualmente. Márcio, para aliviar as tensões, o recebia na onda costumeira: – Grandeeee Portoooo!

Do outro lado na redação, o velho Jacaré, revisor de textos, fã de Luiz Carlos Prestes, arrancava de todos a risada do “cachorro rabugento”, com o tradicional protesto: – Chegou o grande filho da puta!