7 de maio de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

Bolsonaro diz que não mandou matar PM por “não ter motivos para matar Marielle”

Acusação na verdade era pela troca de cargos no Planalto pelo assassinato do “arquivo vivo”, que era assessor do filho 01 e sabia do esquema de rachadinhas

Em mais uma live de quinta, o presidente Jair Bolsonaro deixou escapar mais um pouco de sua sinceridade “dúbia” e de verdades parciais e deu um motivo para não ter envolvimento na morte do ex-PM aliado, Adriano Nóbrega: ele não tinha motivos para matar Marielle Franco.

“Alguém me aponte um motivo que eu poderia ter para matar a Marielle Franco. Motivo nenhum, zero. É um negócio que não dá nem para discutir mais”.

O ponto central da discussão, na verdade, era uma escuta telefônica feita pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, há dois anos, que mostra uma irmã de Adriano Nóbrega acusando o Palácio do Planalto de oferecer cargos comissionados em troca da morte do ex-capitão.

E mencionando “fake news”, o presidente mentiu ao dizer que na gravação a irmã do miliciano falava em “Palácio”. Na verdade, ela falava “Planalto” mesmo.

Adriano foi morto em 9 de fevereiro de 2020 após mais de um ano foragido sob acusação de comandar a maior milícia do Rio de Janeiro. Ele também era suspeito de envolvimento no esquema da “rachadinha” no antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na Assembleia Legislativa fluminense.

Ou seja: a acusação era de troca de cargos no Planalto pelo assassinato do “arquivo vivo”, que era assessor do filho 01 e sabia do esquema de rachadinhas. Nas denúncias dessa semana, não se falava do envolvimento dele com Marielle Franco.

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Áudios

A conversa de 6 minutos e 51 segundos ocorreu no dia 11 de fevereiro de 2020 por meio do telefone de Tatiana, alvo das escutas.

Na gravação, Daniela Magalhães da Nóbrega afirma a uma tia, dois dias após a morte do irmão numa operação policial na Bahia, que ele soube de uma reunião envolvendo seu nome no palácio e do desejo de que se tornasse um “arquivo morto”.

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“Ele já sabia da ordem que saiu para que ele fosse um arquivo morto. Ele já era um arquivo morto. Já tinham dado cargos comissionados no Planalto pela vida dele, já. Fizeram uma reunião com o nome do Adriano no Planalto. Entendeu, tia? Ele já sabia disso, já. Foi um complô mesmo”. Daniela, em gravação autorizada pela Justiça.

O Palácio do Planalto e a defesa de Daniela não se posicionaram sobre o conteúdo das escutas, mas Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, negou que tenha havido oferta de cargos do Planalto ligada à morte de Adriano.

Omissão

A Polícia Civil do Rio de Janeiro omitiu do relatório sobre as escutas telefônicas da Operação Gárgula a menção ao Palácio do Planalto feita pela irmã do ex-policial militar Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro de 2020.

A conversa entre Daniela da Nóbrega, irmã do ex-PM, e uma tia é classificada como de prioridade alta. Contudo, apenas um resumo do diálogo entre Tatiana, outra irmã de Adriano, e a tia ocorrido na mesma ligação é descrito no documento.

Por mais de um ano a polícia ouviu conversas de familiares, amigos e comparsas do ex-PM. Daniela não é acusada de envolvimento nos crimes do irmão.

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Execução

O governo da Bahia diz não ter imagens da operação que matou o ex-PM Adriano da Nóbrega. De acordo com a secretaria de segurança baiana, não é praxe realizar filmagens.

Ele foi morto em uma fazenda que abriga um parque de vaquejada na Bahia com dezenas de bois e vacas cercados por coqueiros e, a 8 km de um sítio rodeado por casas e pequenos estabelecimentos comerciais. Estes foram os dois últimos esconderijos do miliciano antes de ser morto no domingo (10) durante operação policial.

O cenário em Esplanada (a 170 km de Salvador) que serviu de abrigo ao ex-capitão do Bope do Rio foi descoberto pela ação conjunta das polícias baiana e fluminense.

Os esconderijos e a rota de fuga indicam que Adriano recebeu ajuda, mas os donos dos imóveis, um pecuarista e um vereador do PSL, negam vínculo com ele e conhecimento de que se tratava de um miliciano do Rio foragido da polícia.

Segundo a versão oficial, Adriano tinha em sua mão uma pistola austríaca 9 mm e foi baleado após reagir a tiros contra a polícia. O miliciano estava sozinho em um terreno cercado.

O empresário e pecuarista Leandro Abreu Guimarães, dono da fazenda e parque de vaquejada Gilton Guimarães, também foi preso durante a operação das polícias da Bahia e do Rio sob acusação de porte ilegal de armas —ele tinha duas espingardas e um revólver não registrados. Leandro e Adriano já se conheciam do circuito de vaquejadas, conforme a versão do pecuarista