20 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
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Foi-se o velho decrépito, ficou a estupidez

O “filósofo” Olavo de Carvalho morreu de uma doença de cuja existência ele duvidou, porém, deixou um grane estrago e elevou a indigência intelectual a um patamar lamentável para quem deseja a evolução da sociedade. Foi-se o velho decrépito, ficou perpetuada a estupidez.

Nada disso foi por acaso. O advogado e professor Horacio Neiva, mestre e doutorando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP, que já foi um “olavete”, fez um texto impecável nas redes sociais, revelando como Olavo de Carvalho encontrou um campo fértil para propagar tantas bobagens e ser idolatrado por uma gente com quem não se deve andar junto nem na hora do recreio.

“O legado é a autoconfiança injetada em jovens e adultos de baixa formação e leitura, mas que se sentiam metodologicamente validados em sua própria ignorância. A filosofia do Olavo dava ferramentas para ignorantes se acharem inteligentes e julgarem os demais burros e estúpidos” diz ele.

Para entender mais, leia o texto de Horacio na íntegra:

E morreu Olavo de Carvalho. Talvez não tenha havido, no Brasil recente, nenhuma personalidade do mundo da cultura mais influente politicamente que ele. O resultado dessa influência está aí: radicalismo ideológico, polarização e degradação do debate público.

Os que conhecem um pouco mais a obra do Olavo vão mencionar coisas como teoria dos quatro discursos (um livro academicamente fraco); a ideia de “conhecimento por presença” (totalmente desarticulada e desconexa).

O intuicionismo radical (que ele nunca desenvolveu e na prática era utilizada para justificar suas ideias retiradas de lugar nenhum), a teoria do império do Jardim das Aflições (historicamente impreciso), o seu conceito de verdade (que nenhum autor de epistemologia aceitaria).

Mas havia, é claro, uma justificativa para não discutir ideias: é porque, filosoficamente, o que interessava eram as “experiências dos filósofos” e não suas ideias. O que isso significava na prática? Que o trabalho de lê-los e interpretá-los não era relevante.

Um dos exercícios que o Olavo sugeria – a leitura lenta (uma frase por dia) de um autor (ele sugeria Louis Lavelle) – dava um exemplo: você lia uma frase e ficava refletindo (hummm, que experiência será que ele teve antes de escrever isso?).

Não tinha isso de ler o livro todo, de situá-lo no contexto dos debates da época, na história de investigações da disciplina (Olavo falava de status quaestionis, mas ficava por isso). O negócio era ter a “experiência” (isso está presente nas críticas do Olavo ao Descartes).

No fundo, sob o ponto de vista metodológico, Olavo fornecia as ferramentas para que alguém pouco letrado em filosofia falasse as maiores asneiras do mundo com a confiança de um especialista. Essa arrogância intelectual foi a grande marca que ele deixou nos seus alunos.

E é por isso que tanta gente fala que teve a vida transformada pelo Olavo: pouca gente relata que aprendeu algo, mas muitas que “se transformaram em algo”. E no que se transformaram?

O legado é a autoconfiança injetada em jovens e adultos de baixa formação e leitura, mas que se sentiam metodologicamente validados em sua própria ignorância. A filosofia do Olavo dava ferramentas para ignorantes se acharem inteligentes e julgarem os demais burros e estúpidos.

Essa autoconfiança, essa violência – que no início era apenas intelectual – encontrou terreno fértil no bolsonarismo. E é aqui que os caminhos se cruzam: as ferramentas que o “ignorante intelectual” recebeu eram também ferramentas de radicalismo político.

Olavo dizia que estava formando uma “nova geração de intelectuais” mas, no fundo, estava formando uma nova geração de militantes. Isso se percebia pelos cacoetes introjetados nos alunos, pela constante emulação que muitos faziam até dos jeitos do Olavo.

O que essa geração “formada” pelo Olavo buscava não era estudo e conhecimento, mas sim validação e, de certa forma, poder: poder para se afirmar em relação a amigos e professores e, no limite, poder para se afirmar em relação aos esquerdistas

Esquerdistas que, note-se, eram inimigos não só pelas ideias, mas porque ocuparam o lugar na cultura que deveria ser do Olavo. Por que razão deveria ser dele? Perguntem hoje para os alunos que escrevem seus elogios. A resposta será: “porque o Olavo falou”.

Saí disso, para nunca mais voltar, há dez anos. Quando vejo hoje jovens relatando a profunda transformação operada pelo Olavo lembro dos meus tempos e nutro a esperança de que, assim como eu, eles também possam perceber o que percebi: que não havia nada ali.