29 de março de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Governo levou 9 meses para fazer contraproposta formal por vacinas com a Pfizer

Emails na CPI mostram que laboratório fez contato inicial em março de 2020 e apenas em dezembro recebeu uma resposta

Emails enviados pela Pfizer à CPI da Covid do Senado mostram que o governo só formalizou uma contraproposta ao laboratório em dezembro de 2020, apesar de o ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde) ter afirmado à comissão que tentou o “tempo todo” negociar as cláusulas jurídicas do acordo.

Isso indica que as discussões sobre mudanças jurídicas no contrato com a empresa apenas se intensificaram no final do ano passado.

O primeiro passo para adquirir as doses de vacina era assinar um memorando de entendimento, uma espécie de carta de intenções, atrelado ao qual estavam as cláusulas jurídicas consideradas “leoninas” por Pazuello.

De acordo com os emails, a primeira contraproposta ao documento que aparece formalizada por escrito à Pfizer ocorreu em 4 de dezembro.

Confira a linha do tempo:

  • 31 de julho de 2020
    Pfizer pede audiência urgente com a pasta. País registrava cerca de 92,5 mil mortes
  • 4 de agosto de 2020
    Ministério confirma reunião para dia 6 de agosto
  • 8 de agosto de 2020
    País ultrapassa marca ​ de 100 mil mortos por Covid-19
  • 14 de agosto de 2020
    Empresa envia a proposta formal para fornecimento de futura vacina. Previsão era de 70 milhões de doses, acima das 30 milhões discutidas anteriormente
  • 17 de agosto
    Envia um email a técnicos da Saúde um link para acessar documentos com informações sobre a vacina e a proposta. Envia um segundo email a técnicos da Economia informando sobre a proposta que havia sido feita.
  • 18 de agosto de 2020​
    Pfizer afirma que consegue antecipar 1 milhão de doses para entrega em ainda 2020, após aval da Anvisa. Email reforça que a validade da proposta era 29 de agosto e pede urgência para resposta
  • 19, 21, 25 e 26 de agosto de 2020
    Pfizer faz contato telefônico e eletrônico e pede uma posição do ministério. Envia proposta com revisão no cronograma e entrega de doses
  • 29 de agosto de 2020
    ​Data limite da primeira oferta. Não há documento entregue pela Pfizer à CPI referente a este dia. Mortes por Covid-19 passam de 120 mi
  • l2, 12 e 15 de setembro de 2020
    Pfizer faz novo contato com ministério e se coloca à disposição para reunião sobre o andamento dos estudos da vacina. No período, presidente mundial da Pfizer encaminha mensagem a Bolsonaro e Pazuello. Empresa diz que fechou acordo com os Estados Unidos e reforma que celeridade é crucial, pois há número limitado de doses em 2020. Email enviado ao presidente Bolsonaro e ministros é encaminhado a integrantes do Ministério da Saúde
  • 14 de outubro de 2020
    Número de mortes já passava de 150 mil no país. Empresa envia dados ao Programa Nacional de Imunizações
  • 27 de outubro de 2020
    Reunião entre Pfizer e governo para retomar as negociações
  • 10 de novembro de 2020
    Pfizer tem reunião com Bolsonaro, Guedes e Wajngarten. Foi reapresentada a proposta de 70 milhões de doses, com um mínimo a ser adquirido no primeiro semestre e o restante no segundo semestre. Empresa reforça que contrato será efetivado somente após aval da Anvisa, “sem qualquer risco/prejuízo financeiro ao país caso nossa vacina não receba o registro”
  • 13 de novembro de 2020
    Número de mortes chega a quase 165 mil. Ministério confirma reunião com a empresa para 17 de novembro​
  • 24 de novembro de 2020
    Pfizer manda termos atualizados do acordo. Validade da proposta é 7 de dezembro. Depois disso, doses serão distribuídas a outros países
  • 2 e 3 de dezembro de 2020
    Empresa tenta contato telefônico e eletrônico, relata ter deixado inúmeras mensagens, mas não obteve a resposta
  • 4 de dezembro de 2020
    Ministério enviar uma contraproposta à empresa
  • 6 e 9 de dezembro de 2020
    Pfizer pede reunião para discutir contraproposta e mostra que memorando de entendimento depende de medida provisória do governo, ainda a ser editada​
  • 10 de dezembro de 2020
    Ministério fecha memorando de entendimento com a Pfizer. ​Brasil chega perto de 180 mil mortes​
Carlos Murillo, gerente-geral da Pfizer na América Latina, em depoimento na CPI

A “carta de intenções”, portanto, foi assinada apenas em 10 de dezembro do ano passado, contrariando pareceres jurídicos do governo, segundo o ex-ministro. “E nós assinamos o MOU, mesmo sem as assessorias jurídicas”, disse Pazuello à CPI.

O gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, no entanto, já havia incluído a União como parte do “memorando de entendimentos não vinculativo” e que havia alterado o local de arbitragem sobre o tema para o Brasil.

O representante da Pfizer afirmou que os países listados conseguiriam iniciar a vacinação no final de 2020 ou início deste ano. Àquela altura, a Pfizer negociava 70 milhões de doses, mas já não ofertava mais vacinas com entrega em 2020. A proposta previa entregar 2 milhões de doses no primeiro trimestre deste ano, mais 6,5 milhões no segundo trimestre e o restante até o final do ano.

O Ministério da Saúde só firmou acordo com o laboratório em março de 2021, quando adquiriu 100 milhões de doses —das quais 14 milhões devem ser entregues até junho, e o restante até setembro deste ano.

Indiferença

Ainda no email de 2 de dezembro destinado ao secretário-executivo, Murillo reclama de não ter conseguido contato com ele após mandar a proposta oficial da empresa em 24 de novembro.

“Deixamos inúmeras mensagens em seu gabinete e também reforçamos o pedido por email. Como ainda não tivemos retorno, gostaria de comentar alguns pontos relacionados ao tema”. Carlos Murillo.

Na outra mensagem enviada naquele mesmo dia ao ministro da Saúde, o gerente da Pfizer elenca as mesmas informações com relação aos entraves jurídicos, doses, e detalhes sobre armazenamento da vacina e ressalta a importância de receber uma resposta.

“Se os senhores já tiverem tomado a decisão de não avançar com a assinatura desse documento [ memorando não vinculativo], possam nos comunicar para que possamos liberar essas doses para que elas sejam disponibilizadas aos países da região que estão trabalhando em seis planos de vacinação que irão começar nos próximos dias, sujeitos a aprovação regulatória nesses países”.  Carlos Murillo.

Ao final do email, Murillo reforça que “a condição de não responsabilização futura para a Pfizer sobre futuras demandas litigiosas tem sido praxe aceita por todos os países que já fecharam acordo”.

O gerente ainda informa que buscava contato com o secretário-executivo e diz que “gostaria muito” de poder se reunir pessoalmente com Pazuello.

Após essa troca de mensagens, em 4 de dezembro, o Brasil apresenta a primeira contraproposta de memorando segundo os emails a que a Folha teve acesso.

Dias depois, em 9 de dezembro, a Pfizer registrou em email que soube que o país deveria editar uma medida provisória para conseguir assinar o contrato .