30 de junho de 2024Informação, independência e credibilidade
Justiça

Justiça do Trabalho determina fim de assédio eleitoral em usina e MPT pede R$ 2 milhões

Valor serviria como indenização por danos morais coletivos; para Ministério Público, cada trabalhador assediado também deverá receber R$ 2 mil

Depois de o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Alagoas ajuizar uma ação civil pública, com pedido de tutela de urgência, a Vara do Trabalho de Arapiraca determinou, na noite desta terça-feira (25), que a Industrial Porto Rico S.A. (Usina Porto Rico) cesse a prática de assédio eleitoral em desfavor de seus empregados.

Na ação, o MPT pediu que, na condenação definitiva, a indústria com sede no Município de Campo Alegre seja obrigada a pagar R$ 2 milhões, como indenização por danos morais coletivos. O Ministério Público também defende que, além do valor milionário, a usina pague R$ 2 mil a cada trabalhador prejudicado como indenização por danos morais individuais.

Segundo o MPT, entende-se como trabalhador prejudicado pelo assédio eleitoral cada pessoa que possuía, no mês de setembro de 2022, relação de trabalho, a qualquer título, com a parte ré, seja de forma presencial ou em regime de teletrabalho.

A ação civil pública foi ajuizada pelo procurador do MPT Tiago Cavalcanti, membro da Procuradoria do Trabalho no Município de Arapiraca.

O que determina a decisão 

Com base nos requerimentos do MPT, a Justiça do Trabalho determinou que a usina se abstenha de adotar qualquer conduta que, por meio de assédio moral, discriminação, violação da intimidade ou abuso de poder diretivo, vise coagir, intimidar, repreender ou influenciar o voto dos seus empregados no segundo turno das eleições de 2022.

A empresa também deverá deixar de obrigar, exigir, impor, induzir ou pressionar trabalhadores para realização de qualquer atividade ou manifestação política em favor ou desfavor a qualquer candidato ou partido político. Fica impedido o uso de propaganda ou imagens com referências político-partidárias em bens móveis e demais instrumentos de trabalho.

A usina terá ainda de impedir que terceiros compareçam a suas instalações e pratiquem qualquer das condutas apontadas pelo Juízo da Vara do Trabalho de Arapiraca como assédio eleitoral.

Caberá a empresa também assegurar a participação no pleito eleitoral dos trabalhadores que realizarão atividades laborais no próximo domingo (30), inclusive os que desempenharão jornada no regime de compensação de 12×36 horas.

Comunicado à sociedade 

A Justiça do Trabalho atendeu ao pedido do MPT para que a Usina Porto Rico divulgue, num prazo de 24 horas, a contar da intimação judicial, um comunicado à sociedade mostrando o posicionamento da empresa contra o assédio eleitoral.

O comunicado deverá ser o definido pelo Juízo Trabalhista de Arapiraca ou outro de teor semelhante: “A INDUSTRIAL PORTO RICO S.A., em atenção à DECISAO JUDICIAL proferida na Ação Civil Pública n. 0000510-05.2022.5.19.0061, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, vem a público afirmar o direito de seus empregados livremente escolherem seus candidatos nas eleições, independentemente do partido ou ideologia política, garantindo a todos os seus funcionários que não  serão  adotadas  medidas  de  caráter  retaliatório,  como  a  perda  de empregos, caso votem em candidatos diversos daqueles que sejam da preferência do(s) proprietários(s) da empresa, tampouco será realizada campanha pró ou contra determinado candidato, coagindo, intimidando, admoestando e/ou influenciando o voto dos empregados com abuso de poder diretivo”.

A divulgação do comunicado deverá ocorrer até o dia 30 de outubro em todos os meios de comunicação da empresa, tal como quadro de avisos, página principal inicial do sítio eletrônico, redes sociais, grupos e contatos de WhatsApp e e-mail.

Caberá também à empresa, no prazo de cinco dias entregar cópia física do comunicado, mediante recibo, a todos os trabalhadores que laborem de forma presencial. No caso dos empregados em regime de teletrabalho, a entrega deverá ser feita via e-mail corporativo ou outro meio similar à disposição da usina, também com comprovante da remessa.

Multa em caso de descumprimento

Em caso de descumprimento de qualquer das obrigações judiciais, a Usina Porto Rico terá de pagar uma multa de R$ 50 mil por infração, acrescida de R$ 10 mil por trabalhador prejudicado.

Se o descumprimento for em relação à garantia de participação dos trabalhadores no segundo turno das eleições ou do comunicado à sociedade e empregados, a multa será de R$ 100 mil, por infração.

Mesmo com recomendação, empresa volta a praticar assédio

A maioria dos pedidos de liminar do Ministério Público do Trabalho estava presente na recomendação expedida pelo procurador do MPT Tiago Cavalcanti. No entanto, apesar de afirmar que cumpriria o teor recomendatório, a empresa voltou a cometer assédio eleitoral promovendo o governo do candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro.

Na nota em que deveria reconhecer a prática de assédio eleitoral para seus trabalhadores, a empresa fez elogios à política econômica do atual governo federal e ratificou apoio no que acredita ser “o melhor caminho para todos”.

Apesar de a usina assegurar que “a tomada de posição nunca foi impositiva ou ameaçadora”, a Porto Rico registrou, em seu comunicado aos trabalhadores, que “quase fechou as portas no passado recente” e que atualmente “gera mais de 5.000 (cinco mil) empregos diretos e indiretos”.  Para o MPT, tal comunicação significou uma tentativa de induzir os empregados a apoiarem o candidato a presidente defendido pelos empregadores.

“Ora, se até mesmo do ponto de vista eleitoral a conduta sob análise mostra-se ilícita, com muito mais razão dever ser considerada ilícita do ponto de vista trabalhista. Isso porque a conduta possui especial impacto em relação aos empregados da parte requerida, agravando a assimetria contratual e degradando o ambiente de trabalho, pressionando-os a posicionarem-se em apoio ao candidato predileto dos sócios-proprietários da pessoa jurídica. Essa conduta intimida, constrange, coage, admoesta e ameaça a totalidade dos empregados da empresa ré quanto a suas escolhas políticas, em evidente prejuízo aos seus direitos fundamentais à intimidade, igualdade e liberdade política, sendo conduta de especial gravidade considerando as eleições em 2º turno”, defendeu Tiago Cavalcanti.

Na petição, o membro do MPT demonstrou ao Juízo da Vara do Trabalho de Arapiraca, por meio de imagens, a falta de compromisso da empresa com o enfrentamento ao assédio eleitoral no meio ambiente de labor.

Na decisão em que concedeu a tutela provisória de urgência antecipada, o juiz do Trabalho, Fernando Antônio Falcão, titular da Vara do Trabalho de Arapiraca, destacou direitos constitucionais referentes à democracia brasileira: “Vale lembrar que a Constituição Federal estabelece que o voto é livre e secreto, sendo um direito dos cidadãos como pessoas físicas. A liberdade deve ser preservada e exercida em toda sua amplitude e de forma integral, não podendo haver constrangimento de qualquer natureza, principalmente no local de trabalho, ambiente onde os eleitores empregados se encontram em estado de subordinação, com potencial risco de interferência do empregador em sua liberdade de expressão”.

Denúncia veio de reportagem

O procedimento investigativo envolvendo à usina teve início no MPT após matéria jornalística veiculada pelo site de notícias “Mídia Caeté”, que denunciou o assédio eleitoral no ambiente de trabalho da Usina Porto Rico.

De acordo com a reportagem, empregados alegaram sofrer assédio para votar no candidato Jair Bolsonaro, mediante constrangimento, coação e ameaça de demissão para quem declarasse voto no ex-presidente Lula. Ainda segundo a matéria só seriam contratados para trabalharem na próxima safra de cana-de-açúcar os eleitores que votassem no político defendido pela empresa.

Os relatos dão contam de que havia adesivos relacionados à candidatura de Jair Bolsonaro em todos os carros da usina e em setores de trabalho. Depoimentos afirmam que era comum a convocação de reuniões com finalidades políticas dentro do meio ambiente de labor.

Postagens em redes sociais do vice-prefeito de Campo Alegre e filho de um dos diretores da usina demonstraram a presença dos empregadores e conselheiros da empresa, além de um deputado federal, em reunião promovida no meio ambiente de trabalho com fins de promover o atual presidente da República.

O conteúdo de uma das postagens mostra fotografias, cartazes, bandeiras e adesivo nas paredes da usina com imagens e o número do candidato Jair Bolsonaro.