20 de setembro de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

Lula “dá uma de Bolsonaro” e erra ao suspeitar publicamente de ameaças contra Moro

Por mais convicção que tenha sobre isso, presidente provoca danos irreversíveis em crise que estava sendo controlada por sua PF

O presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) errou de forma desastrosa em sua abordagem no caso das ameaças do PPC contra o ex-juiz, hoje senador, Sergio Moro (UB).

Dando uma de Bolsonaro, que regurgitava pérolas danosas de ódio e pouco factuais em seus discursos, Lula resolveu, de uma vez só, minar o trabalho de investigação dos agentes da Polícia Federal e de seu ministro da Justiça, Flávio Dino, puramente por suas convicções. Tal qual fizera o então magistrado da Lava Jato, Sergio Moro.

O timing de tudo está sendo péssimo: não só Lula resolveu narrar que, quando preso, “só teria paz quando fodesse com Moro“, 24 horas antes da operação da PF contra ameaças de morte contra autoridades públicas (incluindo Sergio Moro), como depois de todo seu desenrolar o petista resolveu duvidar publicamente da situação.

“Eu acho que é mais uma armação do Moro”, disse Lula ontem no Complexo Naval do Itaguaí, no Rio de Janeiro.

Não deu uma dentro.

Lula e o então juiz Sergio Moro, durante a Operação Lava Jato

Ódio contra Moro

Sim, o presidente tem todos os motivos para ter um ranço pessoal contra Moro, afinal ficou mais de 500 dias preso por causa da Operação Lava Jato e foi impedido de disputar as eleições 2018. Responsável pela sentença, Moro deixou de ser juiz e foi ser o “superministro” da Justiça de Bolsonaro, que fora eleito por um vasto número de conjecturas políticas, em especial, pela ausência do então favorito Lula.

Lula, que já tinha perdido sua esposa durante o julgamento (vítima de AVC, teve pedido de desculpas póstumo após um juiz ter se confundido e dizer que ela tinha mais de R$ 256 milhões em conta, quando na verdade eram R$ 25 mil), recebeu da cadeia a notícia das mortes de um irmão e de um neto de 7 anos. Além de não receber autorização para ir ao enterro do irmão, nunca conseguiu autorização para ver o neto Lucas, vivo, enquanto estava na cadeia.

Pessoalmente, Lula tem todos os motivos para odiar Moro, que viria ser considerado um juiz suspeito. Com uma agenda política, Moro ignorou provas e como juiz conduzia procuradores, dando dicas do que fazer em uma colaboração inadequada, que resultou em prisões baseadas em testemunhos que, hoje, sabemos terem sido feitas com delações forçadas.

Até hoje nenhum cristão, evangélico, umbandista, judeu, budista, ateu ou, que seja, foi capaz de encontrar alguma prova que pudesse ser usada contra Lula pelos crimes em que ele foi condenado. Por causa disso, o petista teve a sentença anulada, Moro foi considerado suspeito e, legalmente, qualquer cidadão pode chamar Moro de “juiz corrupto” porque ele foi sim corrupto.

Mas Lula hoje é presidente e não pode dar uma de Bolsonaro, para nos momentos em que está discursando ou respondendo perguntas, fazer umas ratadas como esta.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu ministro da Justiça, Flávio Dino

PF e Dino atingidos

Mesmo que ele esteja certo em suas convicções, mesmo que aja uma chance ínfima de Moro de alguma forma ter mentido sobre isso, Lula colocou em dúvida uma operação da Polícia Federal que desmantelou ameaças do PCC contra figuras públicas – entre elas, Sergio Moro.

Um dia antes, seu Ministro da Justiça, Flávio Dino, dizia: “Eu fico realmente espantado com o nível de mau-caratismo de quem tenta politizar uma investigação séria”. E ao plantar sua dúvida sobre a veracidade das ameaças contra Moro, Lula jogou no lixo todo o momento positivo de elogios para com a Polícia Federal.

O argumento era o de que a PF não estava emparelhada no governo Lula e, além disso, estaria desempenhando seu papel para impedir a morte de adversário políticos (o que já é forçado, pois isto seria o mínimo, mas vá lá). Só que tudo isso morreu.

Sergio Moro, nesta semana, teve mais presença nos noticiários do que durante todas as eleições. Politicamente, ele ganhou com toda essa situação. E sendo verdade ou não, Lula perdeu completamente o fio da meada ao dizer, publicamente, que duvida de Sergio Moro (e por consequência de sua PF e do seu ministro Flávio Dino).

Por sorte, alguém conseguiu calar a boca de Lula. Ontem de noite, durante evento ao lado da ministra da Cultura, Margareth Menezes, no Rio de Janeiro, Lula disse que poupará a voz para o encontro com o presidente da China no próximo sábado (25).

Se alguém tivesse feita essa recomendação antes dele acusar o então ameaçado Moro, quiçá, antes de lembrar que ele queria foder com o então juiz durante sua prisão, a tal da “narrativa” seria outra. Muitos eleitores votaram em Lula porque não queriam Bolsonaro. Portanto, que Lula pare de dar uma de Bolsonaro – ainda que a comparação seja esdrúxula, tal qual sair por aí publicamente duvidando da própria PF.