14 de maio de 2024Informação, independência e credibilidade
Justiça

Moro interferiu em delações de Camargo Corrêa; Deltan deve ser investigado

Juíz avisou aos procuradores que só homologaria delações se a pena incluísse pelo menos um ano de prisão em regime fechado; Lei das Organizações Criminosas não permite isso

Mensagens privadas trocadas por procuradores da Operação Lava Jato em 2015, e divulgadas na série da Vaza Jato, mostram que o então juiz federal Sergio Moro interferiu nas negociações das delações de dois executivos da construtora Camargo Corrêa. E cruzou limites impostos pela legislação para manter juízes afastados de conversas com colaboradores.

As mensagens, obtidas pelo The Intercept Brasil e examinadas pela Folha, revelam que Moro avisou aos procuradores que só homologaria as delações se a pena proposta aos executivos incluísse pelo menos um ano de prisão em regime fechado.

O problema é que a Lei das Organizações Criminosas, de 2013, que definiu regras para os acordos de colaboração premiada, diz que juízes devem se manter distantes das negociações e têm como obrigação apenas a verificação da legalidade dos acordos após sua assinatura.

O objetivo é garantir que os magistrados tenham a imparcialidade necessária para avaliar as informações fornecidas pelos colaboradores e os benefícios oferecidos em troca no fim do processo judicial. E mensagens mostram que Moro desprezou esses limites ao impor condições para aceitar as delações num estágio prematuro, em que seus advogados ainda estavam na mesa negociando com a Procuradoria.

Diálogos

Os diálogos revelam também que a interferência do juiz causou incômodo entre os integrantes da força-tarefa à frente do caso em Curitiba, que nessa época divergiam sobre a melhor maneira de usar as delações para dar impulso às investigações.

Em 23 de fevereiro de 2015, o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa, escreveu a Carlos Fernando dos Santos Lima, que conduzia as negociações com a Camargo Corrêa, e sugeriu que aproveitasse uma reunião com Moro para consultá-lo sobre as penas a serem propostas aos delatores.

As mensagens indicam que o procurador temia, além da reação do juiz, os danos que a Lava Jato sofreria se os benefícios concedidos aos executivos fossem vistos pela opinião pública como excessivos.

“O procedimento de delação virou um caos”, disse Carlos Fernando ao responder à mensagem de Deltan. “O que vejo agora é um tipo de barganha onde se quer jogar para a platéia, dobrar demasiado o colaborador, submeter o advogado, sem realmente ir em frente”, acrescentou.

Para Carlos Fernando, era preciso pensar no longo prazo, além do acordo com a Camargo Corrêa. “Não sei fazer negociação como se fosse um turco”, disse. “Isso até é contrário à boa-fé que entendo um negociador deve ter. E é bom lembrar que bons resultados para os advogados são importantes para que sejam trazidos novos colaboradores.”

A opinião de Moro foi respeitada. Com a assinatura dos acordos, dois dias depois, ficou acertado que os dois executivos da Camargo Corrêa, Dalton Avancini e Eduardo Leite, que estavam presos em Curitiba em caráter preventivo havia quatro meses, sairiam da cadeia com tornozeleiras e ficariam mais um ano trancados em casa.

Camargo Corrêa

Os delatores da Camargo Corrêa deram informações sobre o cartel organizado pelas empreiteiras para fraudar licitações da Petrobras, admitiram o pagamento de propina a políticos e dirigentes da estatal e revelaram desvios na construção da usina nuclear Angra 3 e em outras obras do setor elétrico.

Foi a primeira vez que executivos de uma das maiores empreiteiras do país admitiram a prática de corrupção, abrindo caminho para que outros fizessem o mesmo nos meses seguintes. A Odebrecht e a Andrade Gutierrez decidiram colaborar com a Lava Jato em 2016.

A Camargo Corrêa também foi a primeira das grandes empreiteiras a assinar um acordo de leniência com os procuradores, em agosto de 2015. A empresa se comprometeu a pagar multa de R$ 700 milhões para se livrar de ações judiciais e poder voltar a fazer negócios com o setor público.

Deltan investigado

O grupo que articula recorrer ao plenário do Conselho Nacional do Ministério Público contra o arquivamento de investigações sobre a atuação de Deltan Dallagnol e outros nomes da força-tarefa da Lava Jato começou a cotejar a impressão de colegas a respeito dos casos.

As primeiras sinalizações indicam que há chances de o colegiado contrariar o corregedor do órgão e autorizar ações contra procuradores de Curitiba. Os integrantes mais otimistas falam em 8 a 6 pró-apurações.

Os integrantes do CNMP que são favoráveis à abertura de investigações com base nas mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil esboçam ceticismo diante da possibilidade de o corregedor do órgão, Orlando Rochadel, dar seguimento a ações deste tipo.